Qual a relação entre o tratamento de câncer e o coração?

Com as medicações atuais para o tratamento do câncer, sua cura e seu controle tornaram-se um sucesso frequente. Por isso, existem no mundo cerca de 44 milhões de sobreviventes.
No entanto, as doenças cardiovasculares podem ser provocadas por este tipo de tratamento. Elas representam a principal causa de morte para as pessoas que trataram o câncer há mais de 5 anos.

Por que estes tratamentos mexem com o coração? De que forma aumentam o risco de doenças cardiovasculares?

“Todo paciente que você vê é uma lição muito maior do que a doença da qual ele sofre” William Osler

Tratamento de câncer e aterosclerose

Vários tratamentos de câncer estão associados ao aumento da formação de placas de gordura na parede das artérias, a chamada aterosclerose. Como exemplos:

  • Radioterapia, principalmente em indivíduos com câncer de mama ou linfomas, ou câncer de pulmão
  • Privação de androgênicos (os androgênicos são os hormônios masculinos), como no tratamento de câncer de próstata

A radioterapia está associada ao aumento de placas nas coronárias, as artérias que nutrem o músculo cardíaco, e nas carótidas, responsáveis pela irrigação do cérebro. Já a privação androgênica está relacionada ao aumento da pressão arterial, aumento da gordura visceral e a um risco maior de infarto do miocárdio.

Efeitos do tratamento do câncer sobre a pressão arterial

A hipertensão arterial é uma consequência que ocorre a longo prazo após vários tipos de tratamento de câncer, como algumas imunoterapias e quimioterapias. Acontece também em crianças e é um fator que aumenta o risco de doenças cardiovasculares nos indivíduos que trataram câncer.

Alteração do colesterol

Alguns tipos de bloqueadores hormonais, usados para o tratamento de câncer de mama ou de câncer de próstata podem aumentar os níveis do colesterol ruim e dos triglicérides. Isso pode acontecer em pacientes submetidos a transplante de medula, ou em uso de terapia com corticóides. Ocorre também em pacientes com câncer de testículo tratado com radioterapia e/ou quimioterapia.

Todas as estruturas cardíacas podem sofrer com o tratamento do câncer
Todas as estruturas cardíacas podem sofrer com o tratamento do câncer

Câncer e coração

Os efeitos do tratamento de câncer podem ocorrer diretamente sobre as estruturas cardíacas e sua manifestação pode ser imediata ou tardia, até vários anos após. Desta forma, os indivíduos que foram tratados devem fazer acompanhamento cardiológico, mesmo se forem crianças. O diagnóstico precoce pode mudar o curso desta complicação.

O acometimento cardíaco pode ocorrer em várias de suas estruturas:

  • músculo cardíaco – ocorre perda da força de contração e de relaxamento, com desenvolvimento de insuficiência cardíaca
  • valvas cardíacas – pode ocorrer calcificação, deixando as valvas com dificuldade de abrir e/ou fechar
  • pericárdio – a membrana que reveste o coração pode produzir líquido ou perder sua elasticidade
  • sistema de condução do impulso elétrico – podem ocorrer arritmias rápidas ou lentas, até com necessidade de implante de marca-passo

 A insuficiência cardíaca e o câncer

Entre todas as complicações do tratamento do câncer, o desenvolvimento de insuficiência cardíaca é o mais devastador pois aumenta significativamente a morbidade e a mortalidade, enquanto reduz a qualidade de vida.

A insuficiência cardíaca é ocasionada por agentes cardiotóxicos na químio ou na imunoterapia e também pela radiação, na radioterapia. Pode ocorrer na vigência ou até anos após o término do tratamento.

Assim, é fundamental detectar esta complicação o mais precocemente possível para tratá-la adequadamente e prevenir a progressão da doença.

A contramão: a insuficiência cardíaca é geradora de câncer?

É interessante notar que o câncer e a insuficiência cardíaca têm vários fatores de risco em comum. Além disso, entre elas há mecanismos semelhantes de doença, como a inflamação, a liberação de fatores de crescimento tumoral e a resposta adaptativa ao estresse com a reprogramação do metabolismo celular, entre outros. Isto explicaria o maior número de casos de câncer em pacientes com insuficiência cardíaca se comparados aos pacientes com coração normal.

Sempre a prevenção

Pessoas que tiveram câncer tratado devem prevenir as doenças cardiovasculares através das mudanças de estilo de vida:

As mudanças de estilo de vida, associadas às consultas médicas periódicas, podem prevenir as complicações cardiovasculares!

Para saber mais sobre como as células cancerígenas se comportam, assista a este vídeo muito interessante (legendas disponíveis em Português nos ajustes)

Referências:

  1. de Boer RA, Hulot JS, Tocchetti CG, et al. Common mechanistic pathways in cancer and heart failure. A scientific roadmap on behalf of the Translational Research Committee of the Heart Failure Association (HFA) of the European Society of Cardiology (ESC). Eur J Heart Fail. 2020;22(12):2272-2289. doi:10.1002/ejhf.2020
  2. Strongman H, Gadd S, Matthews A, et al. Medium and long-term risks of specific cardiovascular diseases in survivors of 20 adult cancers: a population-based cohort study using multiple linked UK electronic health records databases. Lancet 2019; 394:1041.
  3. Leerink JM, de Baat EC, Feijen EAM, et al. Cardiac Disease in Childhood Cancer Survivors: Risk Prediction, Prevention, and Surveillance: JACC CardioOncology State-of-the-Art Review. JACC CardioOncol 2020; 2:363.
  4. Sun L, Parikh RB, Hubbard RA, et al. Assessment and Management of Cardiovascular Risk Factors Among US Veterans With Prostate Cancer. JAMA Netw Open 2021; 4:e210070.