É bastante comum que, durante exames de rotina em um checkup, o ultrassom mostre gordura no fígado, também chamada de “esteatose hepática”. Daí vem a preocupação: isso é grave?

homem deitado na maca fazendo ultrassom do fígado gorduroso
Durante o checkup, o ultrassom de abdômen detectou gordura no fígado. E agora? Gordura no fígado é grave?

E a resposta é: na maioria das vezes, inicialmente, não. Porém, ter gordura no fígado não é um estado saudável, nem é normal. Portanto, a esteatose hepática deve ser avaliada por um médico e precisa ser cuidada adequadamente.

O que faz com que a gordura se acumule no fígado?

O acúmulo de gordura acontece em situações como:

  • sobrepeso ou obesidade, principalmente quando a gordura se concentra no abdômen;

  • diabetes mellitus tipo 2;

  • colesterol ou triglicérides elevados;

  • insulina elevada (resistência a insulina).

Também se observa esteatose hepática em pessoas com:

  • síndrome dos ovários policísticos;
  • apneia do sono;
  • hipotireoidismo;
  • hipopituitarismo.

Além disso, o consumo regular de álcool pode provocar ou acentuar o acúmulo de gordura no fígado.

Obesidade no Brasil: uma epidemia

O problema é que a obesidade cresceu assustadoramente nos últimos 15 anos em todas as faixas de idade, incluindo as crianças, no Brasil.

Mais da metade da população está na faixa de sobrepeso! E 1 a cada 5 brasileiros está obeso!

Também é importante observar que não é só a intensidade da obesidade que conta. Algumas pessoas com discreto aumento da gordura abdominal, às vezes, podem ter alterações de saúde mais intensas e sérias do que outras com maior grau de obesidade.

Obesidade é a principal causa associada à gordura no fígado. (Imagem: jcomp – www.freepik.com)

Por que ter gordura no fígado é um problema?

Porque, como vimos, a doença gordurosa do fígado costuma acontecer em pessoas com diversas outras alterações metabólicas. Por isso, o termo médico para essa condição hoje é “disfunção metabólica associada a doença hepática gordurosa”, em inglês “MAFLD – metabolic dysfunction associated fatty liver disease”.

Então, não é só o fígado que está doente, mas o funcionamento geral do organismo. De fato, existe maior risco de infarto cardíaco e de acidente vascular cerebral (AVC). Aliás, as doenças cardiovasculares são bem mais frequentes do que a própria cirrose em quem tem esteatose hepática. Alguns tipos de câncer também ocorrem com maior frequência, como por exemplo o câncer de mama, cólon reto, de esôfago e pâncreas.

Quais as possíveis complicações no fígado de quem tem esteatose?

Estima-se que 20 a 30% das pessoas no mundo todo apresentem algum grau de esteatose. Destas, cerca de 25% também sofrem inflamação: chamamos então de esteato-hepatite (inflamação do fígado gorduroso). Por sua vez, essa inflamação provoca fibrose. E se a fibrose fica intensa, com o passar dos anos, 5 a 12% poderá chegar a cirrose. Desse estágio em diante, existe também o risco de surgir o câncer do fígado, principalmente nos obesos e diabéticos.

Esse processo é semelhante àquele provocado pelo álcool, mas pode acontecer em pessoas com sobrepeso que nunca beberam, ou bebem socialmente.

Quem tem mais risco de ter complicações pela gordura no fígado?

Têm mais chance de ter problemas com a gordura no fígado aqueles com

  • Obesidade, principalmente com maior circunferência abdominal
  • Maior idade
  • Diabéticos tipo 2
  • Homens, ou mulheres após a menopausa
  • Hipertensos
  • Portadores de apneia do sono
  • Asiáticos, latinos (“hispânicos”)

Quais os sintomas da gordura no fígado?

Nenhum, na maioria das vezes.

Mas pode haver cansaço, desconforto na parte superior direita do abdômen.

Em doenças mais avançadas do fígado pode ocorrer acúmulo de líquido no abdômen, inchaço nos pés, coloração vermelha nas palmas das mãos, coloração amarelada na região branca dos olhos, entre outras.

O que fazer se for detectada a gordura no fígado?

É preciso fazer uma avaliação médica cuidadosa. Não espere ter sintomas.

Certamente, faz parte dos cuidados a mudança para um estilo de vida saudável, incluindo boa alimentação, atividade física, redução do consumo de álcool. E, claro, o bom controle das doenças como obesidade, diabetes, colesterol alto e hipertensão arterial é fundamental. Aliás, é importante saber que a perda de peso não deve ser demasiadamente acelerada, porque isso também pode provocar inflamação no fígado. Exames específicos (como testes laboratoriais, elastografia, biópsia hepática) e medicamentos devem ser orientados pelo seu médico.

peso de ginástica, fita métrica, frutas.

Atividade física aeróbica e muscular associada a alimentação cuidadosa permitem redução de peso, da circunferência abdominal e da esteatose hepática. (Imagem Photomix/ Pixabay)

Atenção! Cuidado com fitoterápicos, altas doses de vitamina D, E e tratamentos “detox” que estão sendo recomendados por aí: eles não são seguros!

Se quiser ver outras matérias informativas sobre gordura no fígado, visite também:

https://saude.abril.com.br/medicina/o-que-e-a-gordura-no-figado-conheca-a-esteatose-hepatica/

e assista o video da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Esteatose Hepática.

 

Referências bibliográficas:

Chalasani ACG et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice Guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55:2005-23.

Younossi et al.  Global burden of NAFLD and NASH: trends, predictions, risk factors and prevention. Nat Rev Gastroenterol Hepatol2018;15:11-20.

National Guideline Centre (UK). Non-Alcoholic Fatty Liver Disease: Assessment and Management. NICE Guideline, No. 49. London: National Institute for Health and Care Excellence (UK); 2016.

Cotrim et al. Nonalcoholic fatty liver disease. Brazilian Society of Hepatology Consensus. Arq. Gastroenterol. vol.53 no.2 São Paulo April./June 2016

Censo Brasil Ministério da Saúde.  Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Telefone (Vigitel). 2019.

Carrilho et al. Epidemiology of Liver Cancer in Latin America. Seminars in Liver Disease. 2020;40:101-110.

Liu et al. Association between nonalcoholic fatty liver disease and extrahepatic cancers: a systematic review and meta-analysis. Lipids Health Dis. 2020;19:118.

Escrito por

Marta Deguti

Médica hepatologista, nipo-paulistana de nascimento e de coração, casada, mãe de dois filhos, de um cãozinho e de uma gatinha.