As estatinas são os medicamentos mais utilizados para o controle do colesterol e são benéficas tanto para a prevenção como para o tratamento das doenças cardiovasculares. São drogas potentes que conseguem reduzir o LDL-colesterol (o colesterol “ruim”) em 30 a 63%. Consideradas primeira escolha no tratamento do colesterol, estudos demonstram forte evidência na redução de mortes, do número de infarto do miocárdio e de acidente vascular cerebral (AVC).

Em relação ao coração, a dislipidemia é um dos principais fatores de risco de infarto. Ensaios clínicos com estatinas demonstram que a cada redução de aproximadamente 40mg/dl do LDL-colesterol, ocorre uma redução do risco de infarto em torno de 20%.

Há inúmeros trabalhos científicos no mundo todo mostrando vários benefícios.

Por que, então, na internet há tantas informações conflitantes sobre seu uso?

“A educação médica não existe para proporcionar aos alunos uma maneira de ganhar a vida, mas para garantir a saúde da comunidade.” Rudolf Virchow

Um pouco da história das estatinas

Em 1973, o bioquímico japonês Akira Endo procurava novas substâncias antibióticas e isola do fungo Penicillium citrinum um derivado que foi chamado de compactina. Embora possuísse alguma propriedade antibiótica, ela era capaz de reduzir os níveis sanguíneos de LDL-colesterol em animais. Assim, ele descobriu a primeira estatina, a mevastatina que possuía, porém, toxicidade para os humanos.

Em 1978, uma indústria farmacêutica americana isolou outra estatina, a lovastatina, do fungo Aspergillus terreus, aprovada para uso clínico em 1987.

No final da década de 90, muitos estudos mostraram que os efeitos benéficos das estatinas iam muito além da redução do colesterol, diminuindo o risco tanto para indivíduos que não tinham doença coronária quanto para aqueles que já tinham a doença instalada.

Mais recentemente, pesquisas sugeriram que o uso das estatinas também pode ser benéfico em pessoas com insuficiência cardíaca.

Benefícios das estatinas
Estatinas : por que seu uso é controverso?

Todas as estatinas são iguais?

Todas as estatinas são seguras e eficazes. Porém, elas diferem na potência, na forma como são metabolizadas (vias de metabolização diferentes), na solubilidade em água ou em gordura e na interação com outras classes de medicamentos. Os efeitos colaterais dependem da dose, do tipo da estatina e da presença de outras condições clínicas além da suscetibilidade genética do indivíduo.

Benefícios do uso

Os benefícios do uso das estatinas não são completamente explicados apenas pela redução do LDL-colesterol. Outros mecanismos podem estar envolvidos, como a estabilização das placas, a melhora na função do endotélio, a camada mais interna das artérias, e a diminuição da formação de trombos (coágulos).

A inflamação parece ser outro importante fator para a aterosclerose. Também, há evidências científicas de que o uso das estatinas diminua o processo inflamatório ocasionado pelo depósito de gordura na parede dos vasos sanguíneos.

Em pacientes com doença coronária, a redução dos lípides (gorduras) na corrente sanguínea reduz o risco de morte súbita ocasionado por arritmias graves como a taquicardia ventricular.

Embora a redução do colesterol provavelmente reduza a aterosclerose, os benefícios clínicos já são observados com apenas 6 meses de uso das estatinas, tempo insuficiente para a redução de placas de gordura.

Quem deve usar estatina?

Além de estimular mudanças de estilo de vida, como fazer exercício, cessar o tabagismo, controlar a pressão arterial e o peso, bem como melhorar a alimentação, a terapia medicamentosa com as estatinas está indicada para pessoas com risco cardiovascular elevado:

  • Indivíduos que já tiveram algum evento cardiovascular prévio (como infarto, necessidade de angioplastia ou cirurgia cardíaca com pontes de safena ou mamária)
  • Ocorrência de acidente vascular cerebral
  • Presença de placas de gordura com entupimento da circulação arterial das pernas (doença arterial periférica)
  • Indivíduos com placas de gordura em coronárias ou carótidas em exames de imagem, mesmo sem sintomas
  • Diabéticos
  • Pessoas com colesterol elevado (hipercolesterolemia familiar)
  • Indivíduos com múltiplos fatores de risco associados, como hipertensão, obesidade e tabagismo

Quais são os efeitos colaterais das estatinas?

As reações adversas com as estatinas ocorrem com menor frequência se comparadas à maioria das outras classes de remédios para o colesterol.

Músculos

Os efeitos colaterais mais importantes ocorrem nos músculos, mas são relativamente incomuns. As mialgias (dores musculares) e a miopatia (fraqueza muscular) ocorrem em 2 a 11% dos pacientes. No entanto, a necrose muscular grave é ainda mais rara (0,1%).

O mecanismo pelo qual as estatinas causam toxicidade muscular ou sintomas musculares não é completamente entendido, mas há características genéticas que interferem no transporte, no metabolismo e na ação destas medicações, além de respostas imunológicas que resultam na produção de anticorpos contra o músculo. Algumas estatinas podem ter efeitos diferentes na síntese da Coenzima Q10, a qual tem um papel importante na produção de energia pelas células musculares.

O risco de dano muscular é maior na associação das estatinas com outras medicações como alguns antifúngicos, antiarrítmicos, anticonvulsivantes, corticóides, antivirais para o tratamento do HIV, imunossupressores e alguns antibióticos. Pacientes com insuficiência renal aguda ou crônica, doença hepática, hipotireoidismo não controlado, mulheres e indivíduos com idade avançada (maior do que 80 anos) também são mais suscetíveis.

Baixos níveis de vitamina D também foram associados a taxas maiores de mialgia e miopatia.

Os sintomas musculares podem começar de semanas a meses após o início do uso das estatinas. Mas as dores musculares e a fraqueza geralmente melhoram em dias a semanas depois da suspensão da medicação ou da redução da dose.

Fígado

Estudos clínicos demonstraram que a inflamação leve do fígado ocorre em 0,5 a 3% dos pacientes, principalmente durante os três primeiros meses de uso da estatina e é dose-dependente. Raros episódios de lesão hepática mais grave foram descritos. Entretanto, os estudos não demonstraram risco significativamente maior de insuficiência hepática com estatinas se comparado ao risco na população geral.

Rins

Embora exista pequena perda de proteína pelos rins quando em uso das estatinas, estudos não demonstram piora da função renal provocados pela medicação.

Como surgiram os mitos das estatinas?

Por serem medicações muito prescritas no mundo todo, circulam pela internet várias informações contraditórias a respeito do seu uso, gerando insegurança e dúvida. Estas informações aparecem após um ou outro trabalho científico demonstrar associação com doenças ou sintomas, ou resultados conflitantes. Vamos esclarecer alguns:

Diabetes mellitus

As estatinas aumentam discretamente o risco de desenvolver diabetes e o risco é um pouco maior com doses elevadas. Porém, as inúmeras evidências de estudos clínicos mostram que as estatinas reduzem de forma significativa o risco cardiovascular em diabéticos. Estudos randomizados e estudos observacionais sugerem que o efeito benéfico das estatinas nos eventos cardiovasculares e na mortalidade ultrapassam qualquer aumento do risco pelo desenvolvimento de diabetes.

Uma meta-análise de 2016 estimou que altas doses de estatina poderiam levar a 50 novos casos de diabetes para cada 10.000 pessoas tratadas.

Em meta-análises envolvendo 91.140 indivíduos sem diabetes, o uso de estatinas aumentou a incidência de diabetes em 9%. Entretanto, as estatinas preveniram cinco vezes mais eventos cardiovasculares em relação ao grupo controle. Entre pacientes de alto risco para desenvolverem diabetes, o risco de eventos cardiovasculares foi menor no grupo utilizando estatinas.

Perda de memória

Preocupação sobre a perda cognitiva e de memória surgiu na imprensa popular após o relato de 60 pacientes que teriam tido perda de memória associada aos uso de estatinas, entre novembro de 1997 e fevereiro de 2002. Em contraste com estas observações, outros estudos sugerem que as estatinas tenham um papel importante na prevenção da demência.

Um estudo, que envolveu 111.194 indivíduos da população dinamarquesa, mostrou que os baixos níveis de LDL-colesterol provocados por terapia com estatinas não tiveram efeito sobre o aumento do risco de doença de Alzheimer, demência vascular ou doença de Parkinson. Dados do International Genomics do Projeto Alzheimer também não demonstraram aumento do risco de Alzheimer relacionado às terapias medicamentosas para a redução do LDL-colesterol.

Câncer

Não há evidências científicas convincentes de que as estatinas aumentem ou diminuam o risco de câncer.

Condições clínicas como o aumento da idade, o aumento do índice de massa corpórea (IMC) e a história de tabagismo podem sugerir que os fatores de risco que promovem o uso das estatinas também são os mesmos que aumentam o risco de câncer.

Uso ou não uso estatina?

Todos os pacientes com LDL-colesterol elevado devem ser aconselhados a adotar mudanças do estilo de vida: praticar exercício, melhorar a alimentação, parar de fumar, controlar a pressão e o peso. A necessidade do uso de estatina deve ser determinado pelo médico através do cálculo do risco individual de cada paciente.

Uma vez indicado o uso, não deixe de tomar a medicação regularmente e de checar com o médico se a dose está ajustada às suas necessidades. E relate qualquer sintoma adverso.

Uma certeza: as estatinas são drogas seguras, potentes e benéficas para a redução de eventos cardiovasculares.

Referências

Ounpuu S, Negassa A, Yusuf S. INTER-HEART: A global study of risk factors for acute myocardial infarction. Am Heart J. 2001 May;141(5):711-21. doi: 10.1067/mhj.2001.114974. PMID: 11320357.

Brown G, Albers JJ, Fisher LD, et al. Regression of coronary artery disease as a result of intensive lipid-lowering therapy in men with high levels of apolipoprotein B. N Engl J Med 1990; 323:1289.

Barter PJ, Brandrup-Wognsen G, Palmer MK, Nicholls SJ. Effect of statins on HDL-C: a complex process unrelated to changes in LDL-C: analysis of the VOYAGER Database. J Lipid Res 2010; 51:1546.

Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 – portugues.pdf (amazonaws.com)

Legendas disponíveis em Português: