Falar sobre telas, telinhas e saúde mental parece conversa de gente velha, reclamando que os filhos ficam em casa, sem fazer nada e com os olhos grudados na telinhas do smartphone. Mas não é.

Anne Ernaux e o Titãs

Anne Ernaux em seu livro “Os anos” descreve na França pós-guerra, o aparecimento de novos produtos, e entre eles a televisão. Tudo recebido com surpresa e alegria.

A empolgação porém, vinha acompanhada de desconfiança” …. inauguravam um tempo em que não teríamos que fazer mais nada, segundo diziam. Mas também tudo era alvo de ataque: A máquina de lavar era acusada de danificar a roupa, a televisão de danificar a visão e de levar a dormir muito tarde.”

Na música Televisão, os Titãs cantam:

“A mãe diz pra eu fazer alguma coisa
Mas eu não faço nada
A luz do sol me incomoda
Então deixo a cortina fechada

É que a televisão me deixou burro, muito burro demais….

….. tudo que a antena captar meu coração captura….”

A preocupação com o tempo dispendido na frente das telas já é antigo. Sedentarismos, alterações de ciclo vigília sono, conteúdo inapropriado, isolamento social....

Telas, telinhas e a saúde mental fragmentos de um rosto em vários smartphones

Entretanto com o advento dos smartphones, houve um salto quantitativo e qualitativo muito grande.

A Apple lançou o primeiro smartphone moderno, o Iphone, em 2007. A Samsung seguiu com seu Samsung Galaxy em 2010.

Em 2017, nos EUA, 69% das pessoas com mais de 18 anos  estavam usando a mídia social em comparação com apenas 5%  em 2005. O smartphone foi ampliando seu campo de atuação, sendo utilizado cada vez mais na busca de empregos, para arrumar um encontro  ou simplesmente fazer compras. Desta forma integrando-se cada vez mais ao cotidiano , sobretudo dos mais jovens.

Paralelamente a medida que o uso de mídias sociais e smartphones aumentou, também aumentaram os problemas de  saúde mental.

É evidente que correlação nem sempre significa causalidade.  No entanto pesquisadores como Jean Twenge, sugerem que o aumento da doença mental está em parte ligado ao aumento do uso de mídias sociais entre os jovens.

Números para pensar

A porcentagem de jovens americanos com certos tipos de transtornos de saúde mental aumentou significativamente na última década, sem aumento correspondente em adultos mais velhos.

Foram analisados dados de  mais de 200.000 adolescentes estadunidenses de 12 a 17 anos de 2005 a 2017 e quase 400.000 adultos de 18 anos ou mais de 2008 a 2017. A taxa de indivíduos relatando sintomas consistentes com depressão nos últimos 12 meses aumentou 52% em adolescentes de 2005 a 2017 (de 8,7% para 13,2%) e 63% em adultos jovens de 18 a 25 anos de 2009 a 2017 (de 8,1% para 13,2 %). Houve também um aumento de 71% em adultos jovens com sofrimento psicológico grave nos 30 dias anteriores de 2008 a 2017 (de 7,7% para 13,1%). A taxa de jovens adultos com pensamentos suicidas ou outros resultados relacionados ao suicídio aumentou 47% de 2008 a 2017 (de 7,0% para 10,3%).

Neste mesmo período, não houve um aumento significativo em faixas etárias maiores.

Não há ainda um consenso sobre como o uso indiscriminado do smartphone pode piorar impactar a saúde mental, mas há algumas hipóteses.

O uso de smartphone está associado a menor numero de horas de sono e alterações de padrões e sabemos a importância do sono para os processos metabólicos, para cognição e para o humor.

Simultaneamente outro estudo, agora  canadense, em 2017, encontrou associações significativas entre as horas gastas nas mídias sociais e indicadores de saúde mental.

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Prós e contras

Se por um lado, o uso excessivo das telinhas trouxe problemas ligados a sociabilidade, dificuldade com relações interpessoais, isolamento, cyberbullying, notícias enganosas e sensacionalismo, por outro lado,  tem sido de grande utilidade, promovendo reencontro de pessoas afastadas pelo tempo ou por questões geográficas, ajudou a manter contato com entes queridos e favoreceu a comunicação na área de saúde e equipes de trabalho nas empresas durante a pandemia, auxiliou na divulgação de informações importantes e agilizou a possibilidade de busca por ajuda.

Dificilmente vamos retornar a um patamar anterior, por isso é de extrema importância mais estudos sobre o tema para apontar os melhores caminhos a seguir.

Para o uso de forma mais positiva

  1.   Desligue a conectividade de dados em alguns momentos do dia se possível.
  2.   Desligue também quando estiver com amigos e família.
  3.   Deixe o smartphone fora do seu alcance na hora de dormir.
  4.   Desative notificações para reduzir a distração e tentação.
  5.   Por fim, se estiver difícil de controlar, limite o acesso da mídia social a um computador menos acessível a toda hora que o smartphone.

 

  1. Jean M. Twenge, A. Bell Cooper, Thomas E. Joiner, Mary E. Duffy, Sarah G. Binau. Age, period, and cohort trends in mood disorder indicators and suicide-related outcomes in a nationally representative dataset, 2005–2017.Journal of Abnormal Psychology, 2019
  2. Scott H, Biello SM, Woods HC. Social media use and adolescent sleep patterns: cross-sectional findings from the UK millennium cohort study. BMJ Open. 2019 Oct 22;9(9):e031161.

 

 

Para quem quiser mais:
No dia seguinte publicaram esta notícia no NYTIMES

Dec. 15

STYLE

‘Luddite’ Teens Don’t Want Your Likes

When the only thing better than a flip phone is no phone at all.

By Alex Vadukul

PRINT EDITIONSpreading the Word of the Luddite Gospel|December 18, 2022, Page ST17