trancado no quarto

O relaxamento de medidas do distanciamento social pode não ser simples para todos.

Retomar as atividades sociais, encontrar amigos, voltar ao trabalho presencialmente pode ser mais doloroso do que se imaginava, principalmente para quem se sentiu mais confortável em permanecer em casa, longe de olhares, comentários e interações pessoais.

Com frequência tenho visto que pessoas relatam sintomas ansiosos, crises de Pânico e agorafobia, outras se queixam de uma certa inabilidade temporária de reajuste aos hábitos sociais prévios. Desconfortável, mas esperado diante das situações que vivemos nos últimos anos.

Em contrapartida, o risco do início de Hikikomori não deve ser descartado.

O nome parece complicado?

O que é Hikikomori?

Hikikomori, adolescência sem fim é a tradução do titulo do livro de Tamaki Sato que popularizou o termo em 1998, Hikikomori: Adolescence without end.

capa do livro Hikikomori: adolescence without end de Tamaki Sato

A palavra que pode designar uma situação ou a própria pessoa nesta situação é derivada do verbo hikikomoru, que significa retirar-se para a reclusão: hiki, radical de hiku, para retirar-se e komoru, isolar-se. 

O nome é atribuído ao que inicialmente se acreditava ser um fenômeno ligado a cultura japonesa. O psicólogo Tomita Fujiya cunhou este termo na década de 1980 no Japão e parecia uma síndrome restrita ao país.  No entanto, tem sido descrito em outros países como Coreia do Sul, Índia, Austrália, Bangladesh, Irã, Taiwan, Tailândia e Estados Unidos Estados. Casos adicionais foram posteriormente relatado na França, Brasil, Hong Kong, Espanha, China, Canadá e Ucrânia. O fenômeno do hikikomori é considerado uma síndrome sem limites e global, encontrada em muitas culturas, mas notavelmente, é mais comum em áreas urbanas e países desenvolvidos de alta renda.

O Hikikomori caracteriza-se por um grave isolamento social voluntário por pelo menos 6 meses, atingindo principalmente população adolescente e jovem do sexo masculino. É uma preocupação para autoridades japonesas já que cerca de 1,2% da população entre 20 a 49 anos refere ter apresentado este comportamento, permanecendo fechados em seus quartos, na companhia apenas de seus computadores e games, muitas vezes passando anos sem sair de sua casa. Uma população que evita contato social, não se envolve em atividades esperadas para a sua faixa etária e não costuma procurar ajuda.

Na Coreia do Sul, em 2005 estimava-se que cerca de 33 mil adolescentes estavam  isolados socialmente (0,3% da população); em Hong Kong, uma pesquisa de 2014 estimou que tal isolamento alcançava 1,9% da população entre 12 e 29 anos.

Critérios diagnósticos propostos

Como não se trata de um transtorno psiquiátrico definido, em 2020 Kato et al propuseram critérios diagnósticos de hikikomori para melhor uniformização de estudos.

  • Hikikomori é uma forma de afastamento social patológico ou isolamento social cuja característica essencial é o isolamento físico na casa da pessoa. Três critérios de acompanhamento são propostos:

(a) isolamento social acentuado na casa da pessoa

(b) duração do isolamento social contínuo de pelo menos 6 meses

(c) comprometimento funcional significativo ou sofrimento associado ao isolamento social.

  • Hikikomori tende a ocorrer concomitantemente com outras condições psiquiátricas.

 

Isolamento social, relações disfuncionais e excesso de tecnologia?  quarto do hikikomori

Da mesma forma que no Japão, no Reino Unido foi descrita síndrome semelhante como NEET ( not in employment, education or training) e nos EUA como adultescent.

No Brasil, houve uma tentativa de aproximação com o termo nem-nem, mas aparentemente com conceitos um pouco diferentes. A chamada geração nem-nem seria uma geração que nem estuda e nem trabalha, mas a descrição cabe mais a um problema social de falta de oportunidades do que a um isolamento voluntário propriamente e sem outros correlatos.

Encontrando-se no território pantanoso entre transtorno psiquiátrico e doença social, tornou-se  fonte para especulações.

As explicações vão desde a vulnerabilidade individual até a disfuncionalidade das relações familiares, falta de oportunidade de emprego para os jovens somados à pressão social, história de bullying prévio ou percepção de agressividade do meio, além de rigidez nos planos sociais associado a crises econômicas.

Outros fatores frequentemente associados são o abuso de internet, com as redes sociais e videogames, lembrando que a interferência destas tecnologias tem sido foco de debates intensos em saúde mental em geral. Entretanto, estes mesmos meios que facilitam isolamento podem servir para a recuperação dos Hikikomori, alternativamente estabelecendo contatos virtuais como primeiro passo.

O fato é que, apesar do aumento do número de casos, sabemos muito pouco a respeito. A alta prevalência de transtornos psiquiátricos pode significar que pelo menos parte desta população necessita de uma abordagem psiquiátrica mais urgente .

Quase metade dos pacientes com hikikomori que procuram um serviço de saúde são diagnosticados com transtorno de humor e ansiedade, transtornos de personalidade, transtorno do sono, transtornos do desenvolvimento ou esquizofrenia.

Mas outra parcela não apresenta nenhum diagnóstico associado e, independente da classificação, a abordagem precisa ser melhor estudada para otimizar o tratamento de uma condição que parece aumentar, sobretudo após início da pandemia de COVID-19.

Ainda é necessário estabelecer se esta é uma nova entidade nosológica ou  manifestações culturais e sociais particulares de diagnósticos estabelecidos. 

Algumas abordagens encontradas na literatura médica envolvem principalmente a regularização do ciclo vigília-sono, que costuma estar invertido nos hikikomoris, tratamento das comorbidades psiquiátricas e orientação e suporte para família incluídos.

Já para os que creditam o fenômeno a questões sociais, medidas de suporte e programas governamentais devem ser implantados.

Provavelmente, as duas abordagens não são exclusivas, podendo complementar uma ou outra, a prevenção e a terapêutica dos sintomas instalados.

 

Para saber  como ajudar (  clicar no link):

Apoio ao “Hikikomori”Para quem enfrenta a “Síndrome do isolamento social”

Texto original em japonês: “Guia do bem-estar de 2018” do Departamento de Saúde e Bem-estar, Setor para o Bem-estar de Pessoas com Necessidades Especiais da província de Aichi (Aichi-ken Kenkou Fukushibu Shougai Fukushika). Publicado em dezembro de 2018.
Tradução em português: Tradutores do Curso da Network Multinacional de Jovens “Pas à Pas”.

Bibliografia:

1..Hamasaki, Y., Pionnié-Dax, N., Dorard, G. et al. (2021) Identifying Social Withdrawal (Hikikomori) Factors in Adolescents: Understanding the Hikikomori Spectrum. Child Psychiatry Hum Dev 52, 808–817

2.Rubinstein, E. B., & Sakakibara, R. V. (2020). Diagnosing hikikomori. Medicine Anthropology Theory7.

3.Tan, M., Lee, W., & Kato, T. A. (2021). International experience of hikikomori (prolonged social withdrawal) and its relevance to psychiatric research. BJPsych international18(2), 34–37.

4.1.Tateno M, Teo AR, Ukai W, Kanazawa J, Katsuki R, Kubo H, Kato TA.(2019) Internet Addiction, Smartphone Addiction, and Hikikomori Trait in Japanese Young Adult: Social Isolation and Social Network. Front Psychiatry.  Jul 10;10:455.