Estilo de vida é determinante para que o fígado permaneça saudável após a menopausa.

Quando se fala em menopausa, é comum lembrar dos calores, do humor, da libido, do aspecto da pele, da osteoporose, do ganho de peso… Porque essas são transformações bastante sensíveis que começam no climatério, período em que a produção do hormônio feminino, o estrogênio, vai se reduzindo. A menopausa marca o fim dos ciclos menstruais, e costuma acontecer em torno dos 50 anos de idade. E o fígado, ainda que resistente e silencioso, de notável capacidade regenerativa, não passará indiferente às mudanças hormonais e aos efeitos do tempo. Até porque todos os hormônios sexuais (estrógenos, progesterona e testosterona) são metabolizados pelo fígado. E também porque, com o aumento da expectativa de vida nas sociedades modernas, passamos a ter uma visão de saúde de longo prazo. Dessa forma, hoje damos maior ênfase nas medidas preventivas, incluindo a preservação da vitalidade do fígado.

Os efeitos do tempo e do climatério no fígado

  1. Diminuição do tamanho. Dos 20 aos 70 anos de idade, ocorre uma redução de 20 a 25% do volume original. Isso implica em menor capacidade de trabalho.
  2. Menos antioxidantes, mais radicais livres. O corpo perde a proteção contra radicais livres, que favorecem doenças do fígado. O estrógeno em baixas concentrações também agrava o processo.
  3. Desregulação da imunidade. Diversas doenças autoimunes, como lúpus, artrite reumatóide, psoríase, tireoidite, colangite biliar primária e hepatite autoimune podem se manifestar nessa fase.

Doenças do fígado na menopausa

Doença hepática gordurosa

A gordura no fígado, ou esteatose hepática, está relacionada principalmente à obesidade, ao diabetes e à dislipidemia. Após a menopausa, as mulheres têm maior incidência de doença hepática gordurosa metabólica do que antes. O risco está relacionado ao ganho de peso, de gordura visceral, ao aumento de triglicérides e colesterol. E o risco de desenvolver fibrose no fígado, que antes era protegido pelo estrógeno, após a menopausa, fica similar aos risco que os homens têm. E isso acontece mesmo em quem não é obesa. O acúmulo de gordura acontece não somente no fígado, mas em vários órgãos, devido à resistência à insulina. Os cuidados com peso e bom controle do diabetes e da dislipidemia já nos primeiros anos do climatério são importantes para prevenir a progressão para a cirrose.

Hepatites virais

Após a menopausa, o fígado fica mais mais vulnerável à cirrose. Por isso, é importante fazer o teste para saber se a pessoa é portadora de vírus de hepatite B ou C. Em caso afirmativo, deve-se tratar. Também é preciso verificar a situação vacinal. Existem vacinas contra as hepatites A e B.

Medicamentos

Na medida em que surgem os sintomas do climatério e as alterações do envelhecimento, existe uma propensão a maior uso de medicamentos e substâncias terapêuticas. São os medicamentos para dor, para pressão, colesterol, diabetes, infecções por bactérias e fungos, os hormônios. Pessoas que fazem uso prolongado de macrodantina e metotrexato, por exemplo, devem fazê-lo somente por orientação médica, e com acompanhamento cuidadoso. E mais: há os implantes de “chip da beleza’, tratamentos “naturais” como chás e fitoterápicos, polivitamínicos. O uso prolongado e a mistura das substâncias sobrecarregam o trabalho do fígado. Sem contar o risco direto de hepatite tóxico-medicamentosa. Por isso, cada escolha deve ser pensada com zelo e ciência.

Álcool

É natural que, com o envelhecimento, nosso organismo reduza a capacidade de metabolizar o álcool. Por isso mesmo que, com a idade, existe uma tendência a se manifestar sintomas de ressaca mesmo com menor consumo de álcool. O consumo exagerado de álcool (mais de 3 drinques em um único dia, ou mais de 7 drinques por semana) pode piorar sintomas do climatério, principalmente o fogacho (aquelas crises de calor) e os suores noturnos. Cautela especial deve ser dispensada para quem fez cirurgia bariátrica, porque o risco de doenças e complicações pelo álcool aumenta.

Doenças Autoimunes do Fígado

Pessoas que já tiveram alguma doença autoimune ou que têm casos na família podem ter propensão maior do que quem não possui esses antecedentes.

E a reposição hormonal?

A decisão sobre reposição de hormônios femininos ou a opção de não repor deve ser discutida com o ginecologista de maneira individualizada. Do ponto de vista da saúde do fígado, existem tanto riscos como benefícios em potencial. Por exemplo, para quem já teve uma hepatite medicamentosa por estrógeno, existe maior restrição. Por outro lado, se a menopausa agravou muito os sintomas de fogacho, fez progredir a osteopenia e a doença hepática gordurosa, é possível que a reposição possa ajudar. A boa decisão deve levar em conta a segurança e a qualidade de vida.

Na consulta médica, é importante informar:

– doenças e cirurgias prévias,
– se faz ou já fez dietas restritivas,
– se já usou drogas injetáveis, utilizou agulhas compartilhadas, se praticou relações sexuais de risco para doenças contagiosas, se já recebeu transfusão sanguínea, se tem algum tipo de risco profissional,
– medicamentos, drogas, substâncias químicas, chás, fitoterápicos, fórmulas manipuladas que faz uso, seja por boca, via inalatória, ou de aplicação na pele,

– história de doenças na família, principalmente em familiares de primeiro e segundo grau.

Concluindo…

Como em tudo na vida, boas decisões pedem senso crítico, conhecimento e consciência.

Percebemos que o estilo de vida é determinante para que todo o organismo, e, claro, o fígado, seja saudável na menopausa.

Alimentação equilibrada, atividade física regular, uso responsável de álcool e de medicamentos, consultas médicas e exames complementares de rotina são pilares que fazem a diferença a longo prazo…

Referências

Brady CW. Liver disease in menopause. World J Gastroenterol 2015; 21(25): 7613-7620 doi: 10.3748/wjg.v21.i25.7613
Sarkar et al. NASH Clinical Research Network. Testosterone is Associated With Nonalcoholic Steatohepatitis and Fibrosis in Premenopausal Women With NAFLD 7, Clin Gastroenterol Hepatol. 2020;S1542-3565(20)31375-6.
Front Endocrinol (Lausanne). 2019; 10: 265. doi: 10.3389/fendo.2019.00265 Autoimmune Disease in Women: Endocrine Transition and Risk Across the Lifespan Maunil K. Desai1 and Roberta Diaz Brinton2,3,*
https://www.hopkinsmedicine.org/news/media/releases/estrogen_fuels_autoimmune_liver_damage
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6501433/
https://www.hotzehwc.com/2019/07/how-your-liver-function-affects-your-health-and-hormone-balance/
https://www.hindawi.com/journals/bmri/2015/131528/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4491951/
J Womens Health (Larchmt) 2012 Feb;21(2):161-9. doi: 10.1089/jwh.2011.2839. Epub 2011 Oct 19.

Escrito por

Marta Deguti

Médica hepatologista, nipo-paulistana de nascimento e de coração, casada, mãe de dois filhos, de um cãozinho e de uma gatinha.