chá fitoterápico natural pode ser tóxico

Chás terapêuticos e fitoterápicos: a busca da cura pela Natureza

A cura pelas infusões de plantas medicinais é um saber desenvolvido por todas as civilizações, e transmitido de geração a geração há milênios. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimula os governos a estabelecerem políticas para medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais. O intuito é justamente valorizar recursos naturais e os conhecimentos e tradições locais, e, assim, promover a atenção primária à saúde. É isso que consta no documento “National Policy on Traditional Medicine and Regulation of Herbal Medicines – Report of a Global Survey”.

Mas, atenção: são os efeitos químicos das drogas extraídas de vegetais que possuem esses efeitos terapêuticos!

O que são Plantas Medicinais, Fitoterápicos e Suplementos Alimentares

Plantas medicinais: são aquelas utilizadas para aliviar ou curar sintomas, geralmente na forma de chás e infusões. Geralmente, são consagradas pela tradição popular dentro de uma comunidade.

Fitoterápico: medicamento derivado de planta medicinal industrializada. Esse processo permite padronizar a quantidade, as condições de higienização e pureza. Curiosamente, não precisam de registro sanitário e podem ser manipuladas em farmácias autorizadas.

Suplementos alimentares: uma categoria de produtos recém regulamentados pela Anvisa. São destinados a pessoas saudáveis, pois não são medicamentos: não tratam, não previnem nem curam doenças.  Fornecem nutrientes, substâncias bioativas, enzimas ou probióticos que complementam a alimentação. Nessa categoria, estão incluídos os polivitamínicos também, sobre cuja segurança e eficácia falamos recentemente.

Se for natural, não faz mal?

Não é verdade! É preciso muito cuidado, pois diversos chás de plantas medicinais, fitoterápicos e suplementos nutricionais “naturais” podem intoxicar. Eles podem provocar mal estar, vômitos, confusão mental, hepatite aguda grave e diversas outras complicações muito sérias. O fígado acaba sendo um órgão vulnerável, porque é o grande filtro para metabolizar essas substâncias.

Mas é muito difícil comprovar o efeito tóxico do chá, da planta ou desses compostos para a saúde. Primeiro porque não existe uma padronização de dose, de origem e de pureza. Segundo, há variações no uso de caules, folhas, raízes da mesma planta. Terceiro, as pessoas não lembram de relatar essas bebidas ou produtos. Além disso, é uma minoria de pessoas que apresentam essas complicações, então sempre vamos ter mais notícias de pessoas que usaram e não tiveram problemas. Por fim, os efeitos tóxicos podem estar mascarados, se houver mistura e interação com os medicamentos alopáticos e outras drogas.

Chás e fitoterápicos que podem intoxicar o fígado

Apesar da dificuldade em se estabelecer uma relação de causa-efeito, os registros científicos reconhecem, cada vez mais, a toxicidade das plantas. O termo  HILI (herbal induced liver disease) designa as hepatites causadas pelos produtos herbais. A apresentação mais comum é com icterícia, isto é, aquela parte branca dos olhos fica amarela. Pode haver também desconforto abdominal, cansaço, náuseas. Em alguns casos, pode haver inchaço do abdômen, prurido (coceira) e problemas de coagulação.

Vamos dar alguns exemplos:

  • Sene (Cassia angustifolia), Kava-kava (Piper methysticum), Erva de São Cristóvão (Cimifuga recemosa ou black-kohosh), Unha de Gato (Uncaria tormentosa): podem provocar hepatite aguda grave.
  • Cáscara sagrada (Rhamnus purshiana): há casos de hepatite colestática e hepatite crônica.
  • Confrei (Symphytum officinale): rico em alcalóides, pode provocar a síndrome da obstrução sinusoidal, que é uma doença aguda e muito grave do fígado.
  • Cavalinha ou carvalhinha (Teucrium chamaedrys): quando utilizada continuamente, em doses acima de 600 mg/dia, pode provocar hepatite e cirrose.
  • Sacaca (Croton cajucara): há relatos de diversos tipos de agressão ao fígado, aguda, crônica, colestática, hepatocelular, fulminante.
    mulher tomando chá verde

E o chá verde (Camellia sinensis)?

Uma das bebidas mais tradicionais e consumidas no mundo, especialmente na Ásia, o chá verde é citado pelas propriedades benéficas à saúde. Por outro lado, o chá verde vem sendo questionado também pelo seu potencial tóxico para o fígado. São relatos de mulheres que fizeram uso de extrato de chá verde em compostos para emagrecimento, e evoluíram com inflamação intensa nas células do fígado (hepatite hepatocelular). Existem até mesmo casos de pessoas que acabaram necessitando de um transplante de fígado de urgência para sobreviver. O que se sabe hoje é que o risco se relaciona com a concentração das catequinas (EGCG) contidas na Camellia sinensis.

Felizmente, na forma tradicional de preparo do chá, a Camellia sinensis é segura. Sim, a dose de EGCG não ultrapassa os 338 mg/dia.

chá verde tradicional é seguro

Já na forma de extrato, o consumo de EGCG eleva-se acima de 704 mg/dia. A partir desse nível, o chá verde é passível de causar problemas sérios. E além das altas concentrações, outro agravante é que as pessoas usam o chá verde associado a diversos outros compostos.

Bem, a lista de produtos herbais com potencial de intoxicar o fígado é extensa. Por isso, precisamos estar atentos e sermos cuidadosos nas nossas escolhas.

Mas, uma xícara de chá de erva-cidreira ainda aquece o coração, na tristeza de um resfriado… Ah, e aquele copo de chá mate gelado que completa uma deliciosa tarde de brincadeiras com as crianças! E, para finalizar, vamos compartilhar um que é poesia: o “chá para curar saudade”, de Pedro Stkls.

Resumindo:

  • Os “produtos naturais” – incluindo chás, infusões e fitoterápicos possuem efeitos terapêuticos, mas também podem intoxicar.
  • Evite usar compostos com mistura de ervas e substâncias químicas.
  • Os chás, fitoterápicos e suplementos devem ser listados também, quando se relatam os medicamentos em uso.

Referências bibliográficas

LiverTox: Clinical and Research Information on Drug-Induced Liver Injury [Internet]. 

Soares et al. Causality imputation between herbal products and HILI: an algorithm evaluation in a systematic review. Annals of Hepatology 2021;25:100539.

Teschke et al. Herb-induced liver injury (HILI) with 12,068 worldwide cases published with causality assessments by Roussel Uclaf Causality Assessment Method (RUCAM): an overview. Transl Gastroenterol Hepatol. 2021;6:51.

Hu J et al. The safety of green tea and green tea extract consumption in adults – Results of a systematic review. Regul Toxicol Pharmacol. 2018;95:412.

Escrito por

Marta Deguti

Médica hepatologista, nipo-paulistana de nascimento e de coração, casada, mãe de dois filhos, de um cãozinho e de uma gatinha.