A tentação dos doces é grande…Photo by Joanna Kosinska on Unsplash

Ahhh… Dolce vita! Será que açúcar faz mal à saúde?

Frutas, bolos, sobremesas, pudins, doces, balas, bebidas açucaradas, refrigerantes, sucos, sorvetes, energéticos… todos esses sabores dão prazer à vida, mas esse excesso de doces pode se tornar amargo…ao menos para sua saúde.

O doce nos dá uma experiência sensorial boa, associamos aos prazeres da vida….”While you’re out looking for sugar”, na voz de Joss Stone.

Comemos muito açúcar!

Uma dieta saudável contém açúcares naturais, que ocorrem nas frutas inteiras, nos vegetais, no leite e em alguns grãos. Os alimentos doces naturalmente têm outros componentes como flavonóides e fibras que tornam o seu consumo menos danoso. Já os açúcares adicionados, embora possam ser necessários em situações clínicas específicas, não são um componente essencial da dieta saudável. No entanto, a frutose derivada do xarope de milho é muito comumente usada em alimentos industrializados. Em especial, essa frutose é usada para adoçar refrigerantes, bebidas com sabor de frutas, energéticos. Esses produtos são responsáveis por cerca de 17% da ingestão energética diária total nas dietas ocidentais, excedendo a recomendação da Organização Mundial da Saúde de < 10%. O estilo de vida moderno nos centros urbanos comumente tem uma dieta com consumo indiscriminado de refrigerantes, sucos de caixinha, e outros alimentos industrializados, que em geral têm preço acessível, já vêm prontos e têm forte apelo de marketing. Esse consumo de alimentos adoçados com a frutose industrial pode causar uma sobrecarga de calorias. Mas esse não é o único problema desta dieta: a frutose industrial tem uma digestão diferenciada (veja a rápida explicação mais abaixo) e pode trazer prejuízos à saúde. A qualidade do açúcar ingerido também importa.

Refrigerantes adoçados podem representar 17% da ingestão energética .Photo by Ilya Mazurkevich on StockSnap

O açúcar no Brasil é derivado da cana de açúcar, mas existe açúcar de beterraba, ou ainda de xarope de milho.

Da onde vem o açúcar?

A cana de açúcar é originária da Nova Guiné e já é consumida pelos humanos há mais de 6000 anos. Foi difundida na região da Índia e conta-se que um soldado de Alexandre, o Grande ao chegar no vale do rio Indo provou do caldo de cana fermentado. Os romanos haveriam comercializado a cana de açúcar por altíssimos preços. Os Persas em 650 DC teriam desenvolvido o refino do açúcar, e este teria alcançado a Europa levado pelos cruzados.

A vida já é tão cheia de dificuldades, estresses, qual mal há em adoçar a vida?

Dolce vita: Será que o açúcar faz mal à saúde?

O açúcar é fator de risco para o desenvolvimento de doenças?

Muito açúcar pode ser amargo ao final…

Este é um tema ainda cheio de controvérsia e que necessita de pesquisa, mas há vários indícios clínicos que indicam que o consumo excessivo de açúcar está associado a várias anormalidades metabólicas e ao desenvolvimento de doenças.

O metabolismo dos açúcares é bastante complexo e envolve várias vias metabólicas em diferentes órgãos, desde sua absorção no intestino, seu armazenamento no fígado, nas células adiposas e nos músculos, até seu consumo nos demais sistemas orgânicos. A glicose é nossa principal fonte de energia nas mitocôndrias celulares. Os diferentes tipos de açúcares têm diferentes vias metabólicas e nosso organismo não quebra a molécula de frutose da mesma maneira como a de glicose.

Quando ingerimos glicose, sua concentração no sangue que chega ao fígado aumenta e estimula a secreção de insulina pelo pâncreas. A insulina coordena uma série de reações que culminam com acúmulo de glicogênio nos músculos, ácidos graxos no tecido adiposo, a síntese proteica, favorecendo o aproveitamento energético e os estoques.

Quando ingerimos frutose, não há estímulo da secreção de insulina na mesma extensão, e a frutose acaba sendo absorvida principalmente pelo fígado onde estimula o acúmulo de gordura (a lipogênese de novo).

O metabolismo da frutose acaba favorecendo a geração de ácido úrico, disfunção mitocondrial e bloqueio da oxidação dos ácidos graxos. Esses acontecimentos favorecem um estado de inflamação. A frutose também parece alterar a microbiota intestinal e aumentar a permeabilidade do intestino às moléculas ingeridas e favorecer ainda mais os processos de inflamação do fígado.

Assim, o excesso de açúcar na dieta, em especial de frutose pode estar implicado no desenvolvimento de gordura do fígado e cirrose.

Qual o risco do açúcar? Photo by Nataliya Vaitkevich from Pexels

O aumento do ácido úrico, que a dieta com excesso de frutose causa, pode elevar a pressão arterial, em especial nas crianças.

O excesso calórico das dietas ricas em açúcares também pode facilitar a obesidade, a síndrome metabólica e o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Mas este parece ser devido ao acréscimo de calorias, em vez de alguma propriedade única do açúcar em si.

O açúcar é fator de risco cardiovascular?

Essa ainda é uma questão em estudo e aberta, e muito controversa. Sabemos que quanto maior a quantidade de açúcar na dieta, maior a taxa de mortalidade. Estudos epidemiológicos encontraram nos EUA uma associação graduada e positiva entre a dose ingerida de açúcares e a mortalidade por infarto do coração e acidente vascular cerebral, mesmo após ajuste para fatores de estilo de vida. Essa associação pode estar vinculada a ganho de peso, maior risco de hipertensão, diabetes.

O açúcar pode facilitar o surgimento de câncer?

Há indícios experimentais de que dietas ricas em açúcar podem ser um fator de risco para o câncer de mama independente da obesidade. Se isso se confirmar, o açúcar pode ser um fator de risco modificável na prevenção do câncer.

Dolce vita!!

Por que é tão difícil recusar um doce? Sou viciado em doces…

O açúcar estimula o sistema cerebral ativando áreas relacionadas ao prazer e ao comermos doces, nos sentimos recompensados. Assista ao vídeo abaixo para uma explicação bastante didática:

O açúcar e o Alzheimer

Recentemente tem se estudado a conexão entre o diabetes, o excesso de açúcar e a doença de Alzheimer. O risco para desenvolver essa doença aumenta com o açúcar acima dos níveis normais no sangue. Existe resistência à insulina no cérebro o que pode potencializa a neurodegeneração, resultando em perda da cognição.  Essa relação tem sido compreendida como “Diabetes Cerebral”. A perda da responsividade à insulina pelo cérebro pode tornar os neurônios mais sensíveis a insultos neurotóxicos. O açúcar em excesso impede a correta depuração do beta-amilóide. Essas descobertas têm aberto um caminho a ser explorado para prevenção e possivelmente até mesmo uma cura do Alzheimer no futuro.

Para aqueles que estiverem interessados no assunto, recomendo o documentário “That Sugar Film” de 2014, vejam o trailer abaixo, o filme completo está disponível no youtube.

referências:

1-JAMA Inten Med 2016 November 1; 176(11):1680-1685

2-Eur J Nutr 2016; 55 (suppl 2): S45-S53

3- Circulation. 2017 May 09; 135(19): e1017–e1034. doi:10.1161/CIR.0000000000000439.

4-J Hepatol. 2018 May ; 68(5): 1063–1075. doi:10.1016/j.jhep.2018.01.019.

5-Int. J. Mol. Sci. 2020, 21, 3165; doi:10.3390/ijms21093165

6-Nutrients 2019, 11, 1987; doi:10.3390/nu11091987

7-Circulation. 2019 April 30; 139(18): 2113–2125. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.118.037401.