“Não vamos deixar ninguém para trás.”
A meta é eliminar, até 2030, as hepatites B e C.
Com esse mote, a Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) dedica esse mês à Campanha Julho Amarelo, engajando a população no combate às hepatites virais. Trata-se da extensão do movimento encampado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que elegeram 28 de Julho como o Dia Mundial das Hepatites. No Brasil, o “Julho Amarelo” foi instituído pela Lei nº 13.802/2019
Mais um fato que destaca a importância desta causa: em 2020, o Prêmio Nobel de Medicina foi concedido aos três cientistas que descobriram o vírus da hepatite C: Michael Houghton, Harvey Alter e Charles Rice.
Mas o que são as Hepatites Virais?
Hepatite é a inflamação do fígado, órgão localizado à direita, na região superior do abdômen. Exerce múltiplas funções no organismo, e sem ele, não é possível viver. Muitos agentes podem agredir, intoxicar e inflamar o fígado: os vírus, a autoimunidade, a infiltração de gordura, os medicamentos, os chás fitoterápicos, o álcool e diversas drogas e substâncias químicas.
Nosso foco de hoje são as hepatites virais A, B e C. Existem, além destas, as hepatites provocadas pelos vírus delta e E. Dengue, febre amarela, Citomegalovírus, Epstein Barr também podem inflamar o fígado. Quanto à covid-19, é comum que os doentes apresentem alterações nos exames relacionados ao fígado, mas isso parece ser mais consequência da intensa resposta inflamatória generalizada, bem como das múltiplas medicações utilizadas, e não a ação direta do vírus no fígado.
Como Reconhecer as Hepatites Virais?
As hepatites virais podem se apresentar como agudas ou crônicas.
Na forma aguda, o fígado saudável adoece subitamente. Do mesmo jeito como quando estamos bem, e de um dia para outro, ficamos gripados, por exemplo. Pode haver sintomas gerais como dores no corpo, perda de apetite, febre. Mas o que caracteriza a hepatite aguda é a icterícia: uma coloração amarela intensa na esclerótica dos olhos (a parte branca). A depender da intensidade da hepatite, a pele do corpo inteiro, as palmas das mãos e até as plantas dos pés podem ficar com coloração amarela. E a urina se torna escura, por vezes até como chá mate concentrado. Os exames laboratoriais relacionados ao fígado estão bastante alterados nessa situação.
Na forma crônica, o fígado sofre de maneira silenciosa por longos anos. A pessoa não tem sintoma nenhum. Somente os exames laboratoriais podem detectar algumas alterações, geralmente discretas. Os sintomas poderão vir décadas após o início da doença, quando o fígado já estiver com cirrose, tendo perdido 70% ou mais de sua função. Chamamos essa situação de cirrose descompensada, e os sintomas podem ser inchaço nos pés, no abdômen e icterícia (aquela cor amarela dos olhos que mencionamos acima), além de manchas arroxeadas no corpo.
Qual das hepatites é “pior”: A, B ou C?
Não existe hepatite pior. Elas podem impactar nossas vidas de maneiras diferentes, e isso varia bastante de indivíduo para indivíduo. O que precisamos fazer é conhecer, prevenir, detectar e tratar sempre que necessário. Sem preconceitos!
A hepatite A é transmitida por via oro-fecal. Isso significa que a adquirimos tomando água contaminada ou alimentos que não foram higienizados adequadamente. Manifesta-se na forma aguda, alguns dias depois de ter estado em um local sem boa infraestrutura de saneamento básico, por exemplo. Inicialmente a pessoa pode ter cansaço, náuseas, perda de apetite, dor abdominal, diarréia, febre baixa, e a seguir, icterícia. Os exames de sangue revelam elevação intensa das enzimas do fígado, das bilirrubinas, e o ultrassom pode também sugerir sinais de inflamação. O tratamento é normalmente feito com repouso, dieta leve e líquidos em abundância. Deve-se realizar acompanhamento médico com monitorização dos exames laboratoriais. É muito importante ter certeza se a causa da hepatite é mesmo o vírus A, e não tomar apenas por dedução. Isso porque outras hepatites graves também podem se manifestar de forma parecida. E também porque a hepatite A requer cuidados como, durante a doença, não compartilhar talheres, pratos e copos com as pessoas da mesma casa. Deve-se higienizar cuidadosamente esses objetos com água corrente e sabão, e ter especial atenção com higiene das mãos. Além disso, ao evacuar, recomenda-se despejar água sanitária sobre as fezes no vaso, e deixar agir por 30 minutos antes de dar descarga. De maneira geral, o curso da hepatite A é benigno. Indivíduos acima dos 60 anos e gestantes podem eventualmente cursar com maior gravidade. Por isso, é importante vacinar! Desde 2014, a vacina para hepatite A faz parte do calendário vacinal obrigatório no SUS, para as crianças entre 12 a 23 meses.
Já a hepatite B é transmitida por via parenteral. São situações como transfusão sanguínea ou hemodiálise, relação sexual desprotegida (principalmente relação anal), compartilhamento de seringas e lâminas de barbear, além do contágio que pode acontecer durante o parto de mães infectadas (transmissão vertical). A hepatite B pode manifestar-se logo após a infecção com a forma aguda. A inflamação é inicialmente exuberante, mas vai se resolvendo sem tratamento específico, na maioria dos casos. Mas, às vezes pode ficar muito grave (forma fulminante), e a única solução será um transplante do fígado de urgência. A fase aguda pode ser resolvida com a formação de anticorpos protetores (soroconversão completa). Ou a infecção fica crônica. E há também pessoas que estão infectadas com a forma crônica sem nunca ter percebido a fase aguda. O vírus B pode provocar sorrateiramente cirrose e câncer de fígado. Mesmo com anticorpos completos, o vírus pode ressurgir em situações de baixa imunidade. Sem dúvida, a hepatite B é complexa: não pode nunca ser subestimada, nem mal cuidada. Podem ser indicados medicamentos ou apenas monitoramento com exames de sangue e ultrassonografia. O acompanhamento deve ser feito com especialista hepatologista ou infectologista. A primeira dose da vacina para hepatite B atualmente é aplicada no recém-nascido ainda na maternidade. E, desde 2016, felizmente está disponível para pessoas de todas as idades, gratuitamente, pelo SUS.
Por fim, vamos falar da hepatite C. Também é transmitida por via parenteral, principalmente por transfusão sanguínea, compartilhamento de seringas, acidentes profissionais com agulhas e lâminas de bisturi, relações sexuais desprotegidas, e procedimentos invasivos com objetos não adequadamente esterilizados em autoclave. Por este motivo, tome cuidado com os alicates de manicure e agulhas de acupuntura e de tatuagens. Eles precisam ser esterilizados da mesma forma que os instrumentos cirúrgicos. A forma aguda não é muito comum na hepatite C. A grande maioria está infectada na forma crônica sem sintomas. E o vírus C, de modo silencioso, ao longo de décadas, vai levando o fígado para um processo de cirrose e de surgimento de câncer. Esse vírus pode também provocar alterações de imunidade e nas células do sangue. Não existe vacina para hepatite C, mas, felizmente, nos últimos anos, a doença passou a ser curável! Está aqui um bom motivo para se fazer o teste e descobrir todos os infectados. O tratamento é feito com medicamentos por boca por 3 a 6 meses, orientado por especialista.
No quadro abaixo, resumimos as principais características das hepatites virais A, B e C:
Então… Vamos Combater as Hepatites Virais!
1) Prevenir a Infecção
- Todos os recém-nascidos devem ser vacinados contra a hepatite B nos primeiros dias de vida, e receber duas doses de reforço entre 60 e 180 dias depois. Os adultos que não tiveram contato com os vírus B também podem ser vacinados gratuitamente.
- Aos 24 meses de idade, os bebês devem tomar a vacina para hepatite A. Os adultos que não tiveram contato também podem se vacinar, mas não há a opção gratuita no SUS.
- Lavar sempre as mãos, beber somente água potável, higienizar adequadamente os alimentos.
- Relações sexuais devem ser protegidas com preservativos. Caso optem por não utilizá-los, é importante que os parceiros sejam testados para as hepatites B, C e HIV.
- Não compartilhar seringas nem objetos pessoais cortantes.
- Alicates de manicure devem ser esterilizados da mesma forma como os instrumentos dos dentistas e dos cirurgiões.
2) Detectar os Infectados Sem Sintomas
- Para fazer o teste de hepatite C gratuitamente, contacte por Whatsapp 0800-882-8222.
- Todas as gestantes devem realizar na rotina pré-natal os testes para hepatite B, (C), HIV e sífilis.
- Todas as pessoas devem ter acesso aos testes para hepatites virais. Especial atenção deve ser dada às pessoas que façam parte de algum grupo abaixo:
- pessoas com 40 anos de idade ou mais
- portadores de tatuagens e piercings
- pessoas que já receberam transfusão sanguínea
- aqueles que convivem com portadores de hepatites virais, ou filhos de mães infectadas
- portadores de insuficiência renal em tratamento com hemodiálise
- usuários de drogas injetáveis
- encarcerados
- migrantes
- pessoas que praticam atividade sexual sem preservativos ou que têm múltiplos parceiros
- profissionais de saúde que têm contato com sangue e secreções
3) Cuidar dos Infectados
Rede de Atendimento e Fornecimento do Tratamento
- O SUS oferece rede de atendimento em todo o país, provendo testagem para diagnóstico e tratamento gratuitos.
- Durante a pandemia da covid-19, a entrega dos medicamentos para tratamento das hepatites B e C continuou priorizada como serviço essencial.
- Os medicamentos contra hepatites B e C são oferecidos gratuitamente para todos os cidadãos pelo SUS, incluindo os atendidos na rede privada.
Na reportagem abaixo, a Dra Elodie Hyppolito da SBH reforça as dicas:
Referências:
Para saber mais, indicamos os sites
- https://tudosobrefigado.com.br/
- https://sbhepatologia.org.br/noticias/sbh-da-inicio-ao-julho-amarelo/
- https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/July/28/07—Boletim-Hepatites-2020–vers–o-para-internet.pdf
- https://www.who.int/news-room/events/detail/2021/07/28/default-calendar/world-hepatitis-day-2021
- http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/hv/o-que-sao-hepatites-virais