Espelho digital , imagem corporal e auto imagem
A necessidade humana de reconhecer seu próprio rosto ou se reconhecer em uma imagem é antiga. O que você é e o que você não é, seus traços, sua cor, suas expressões, seu peso, seu formato.
Imagem era inicialmente vista apenas em superfícies de água refletora, depois somente por nobres em metais polidos e posteriormente com a popularização do espelho entre os séculos XIV e XV por quem quisesse se ver. Posteriormente, este espelhinho, tornou-se acessório encontrado em qualquer bolsa feminina.
Hoje, entretanto, se vasculharmos bolsas ou mochilas, independente de gênero ou faixa etária do proprietário, encontraremos um smartphone.
Se a fotografia e o filme permitiram a possibilidade da replicação, reprodução da imagem e movimentos, o smartphone trouxe o espelho digital.
A grande diferença deste espelho é que ele reflete mas não apenas uma imagem, mas uma modificação desta imagem pelas limitações e também avanços da tecnologia. As distorções de cada aparelho, os filtros e todas as ferramentas que transformam e criam uma imagem falsa tão realista quanto de fácil disseminação. Ao postar sua imagem em uma mídia social, você permite acesso a milhares de pessoas a sua figura.
“Se no mito de Narciso temos o enamoramento do sujeito por seu reflexo, na selfie o Narciso digital também espera ser amado por um olhar que parte do fundo do lago, do outro lado do espelho, do campo obscuro da rede”
Paula Braga
Para o bem e para o mal
“Espelho, espelho meu, quem é mais bela do que eu?” perguntava a personagem do conta de fadas. E invariavelmente a resposta, irritante e sem filtros para ela, era sempre: “sim, Branca de Neve”.
No espelho digital, a selfie e suas infinitas possibilidades respondem de outra forma: são os likes e comentários. O anonimato das redes sociais aonde você é visto mas não vê, em um sistema de vigilância constante.
Por outro lado, o uso profissional e econômico das ferramentas de aprimoramento das imagens traz um ideal inatingível.
O efeito das imagens falsas e perfeitas pode acontecer por dois caminhos: O primeiro é a internalização do ideal de corpo, que ocorre quando alguém ratifica os ideais de corpo que tenta alcançar com seu próprio corpo. Outro mecanismo é a comparação de aparências.
Impacto em saúde mental
Especula-se que o uso intenso das mídias sociais podem servir de gatilho para distorções de imagem corporal como vemos nos transtornos alimentares e no transtorno dismórfico corporal.
Pesquisas recentes procuram relações entre mídia social e transtorno dismórfico corporal, que afeta cerca de 2,4% dos adultos americanos.
Porem, embora alguns pequenos estudos associem a mídia social centrada na imagem com o TDC, eles não provam que o uso da mídia social aumenta o risco da doença. O oposto pode ser verdade: as pessoas com TDC são mais propensas a usar certos tipos de mídia social – por exemplo, para verificar sua aparência ou comparar sua aparência com a de outras pessoas.
Em contraste, um estudo com uma intervenção breve que visa a redução da tempo de uso de smartphone (1 hora/dia por 3 semanas) levou a melhorias na autoestima corporal ( aparência e peso) em jovens mais susceptíveis e que experimentam sofrimento emocional.
Reduzir tempo de uso de smartphone parece ter tem um efeito positivo de curto prazo efeito na imagem corporal entre uma população vulnerável de jovens com sofrimento emocional e, portanto, deve ser avaliado como um importante componente no tratamento e prevenção de doenças relacionadas à imagem corporal .
Mas o que é TDC exatamente?
O que é Transtorno Dismórfico Corporal (TDC)
TDC foi descrito em 1891 inicialmente por um psiquiatra italiano, Enrico Morselli e portanto, não se trata de uma condição recente. O termo foi derivado de “dismorfia”, uma palavra grega que significa deformidade.
O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC)caracteriza-se por uma preocupação com um ou mais defeitos percebidos ou falhas na aparência, que são leves ou imperceptíveis para os outros.
Engana-se quem acredita tratar-se de fealdade real ou de vaidade pura. O TDC pode causar extremo sofrimento, e mesmo que as razões das preocupações sobre a sua aparência não sejam perceptíveis para os outros, sua angústia é real.
Além disso, TDC pode afetar seriamente a vida diária, incluindo a trabalho, vida social e relacionamentos.
Sintomas comuns
Verificar constantemente a aparência em espelhos ou qualquer superfície reflexiva
Esconder partes do seu corpos de outras pessoas, evitando fotografias e usando chapéus, roupas largas ou outras coisas para disfarçar
Preocupar-se muito com uma área específica do seu corpo (principalmente seu rosto) ou gasta muito tempo comparando sua aparência com a de outras pessoas. As preocupações frequentemente são intrusivas, indesejadas e consomem tempo considerável.
De forma similar, os comportamentos em reação a estas preocupações podem ser repetitivos, difíceis de controlar e causar ansiedade .
Muitos acabam reclusos, e não raro na pós pandemia, algumas pessoas se recusaram a interromper o uso de máscara facial, pelo conforto de poder esconder o rosto e suas “falhas”.
É tudo muito novo e rápido
Ainda que a mídia social possa não causar transtorno dismórfico corporal, estar constantemente exposto a padrões de beleza impraticáveis e comparar-nos com os outros pode afetar negativamente nossa imagem corporal. A compreensão da relação entre imagem, espelhos, espelhos digitais e tempo de exposição, susceptibilidade, causa e efeitonão só depende de mais estudos e dados como merece toda nossa cuidadosa atenção em tempos de evolução ultrarápida da tecnologia.
Referências bibliográficas e links interessantes:
- Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM–V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013..
- https://www.nhs.uk/mental-health/conditions/body-dysmorphia/
- LEONE, M. Semiótica do espelho digital. Signos do Consumo, [S. l.], v. 13, n. 2, p. e193201, 2021. DOI: 10.11606/issn.1984-5057.v13i2e193201.
- Thai, Helen & Davis, Christopher & Mahboob, Wardah & Perry, Sabrina & Adams, Alex & Goldfield, Gary. (2023). Reducing Social Media Use Improves Appearance and Weight Esteem in Youth With Emotional Distress.