mulher pesquisa em laptop dúvidas sobre doença e resultados de exames

O “Doutor Google” veio para ficar, e está transformando a relação médico-paciente. Quase 7% das buscas no Google são perguntas a respeito de saúde. Afinal, ao se deparar com algum problema de saúde, o primeiro impulso para muitas pessoas hoje é buscar na internet informações a respeito daquilo que aflige.

O mundo antes do “Doutor Google”

Há três décadas, as principais fontes de informação médica ainda eram os livros, os periódicos científicos que buscávamos nas bibliotecas, as aulas e as discussões de casos com os professores e colegas experientes no hospital-escola. Os pacientes vinham à consulta médica com a sua queixa. E o médico escutava, examinava, pedia exames, dava o diagnóstico e orientava o tratamento. Era assim que funcionava.

Consulta: médico escuta a queixa, examina e dá o diagnóstico

 

O mundo com “Doutor Google”

Nos últimos 20 anos, com a internet, toda a informação está à mão. Claro, a Medicina foi muito beneficiada, nesse sentido. Há disponível uma quantidade infindável de dados, de trabalhos científicos, de bancos de dados gigantes. As buscas cruzando termos médicos, que antes eram complexas, ficaram ágeis. Há acesso fácil a informações sobre doenças raras, à farmacopeia, aos guias internacionais de condutas, aos consensos baseados em evidências científicas.

Mas não somente para os médicos. Também todo leigo pode digitar, no site de busca, um sintoma, um nome de doença, o nome de um teste laboratorial, ou o resultado do laudo da biópsia. E vai viajar por centenas ou milhares de opções de links repletos de informações de todo tipo. Como consequência, a hipocondria ganhou uma nova face: a “cybercondria”. É um padrão de comportamento em que a pessoa consulta obsessivamente assuntos sobre doenças e remédios na internet, em constante preocupação. E chega a conclusões apressadas e errôneas.

Além disso, os pacientes começaram a vir ao consultório com queixas mais elaboradas. A falta de ar é dispneia, a dor de cabeça é cefaleia. A epigastralgia já vem pontuada de hipóteses diagnósticas. Muitos acompanham e decoram os resultados de exames. Os medicamentos também recebem especial atenção. Os efeitos adversos da droga, que o paciente reconhece em si, estão na ponta da língua. Muitas vezes, ele já possui entendimento sobre qual o melhor medicamento, e quais exames deseja fazer.

 

E o Doutor Google acerta?

Os estudos mostram que, quando uma pessoa digita seu sintoma no sistema eletrônico, o diagnóstico está correto em um terço das vezes. O problema maior é que, com frequência, a orientação gerou angústia e busca por atendimento urgente desnecessário.

É verdade que o sistema está em evolução, e que deve se aprimorar continuamente nos próximos anos.

Mas é patente que o médico humano, atento e bem formado, ainda acerta o diagnóstico e orienta com mais eficiência.

“Todo problema começa quando as pessoas esquecem que são humanas.” (Oliver Sacks)

Oliver Sacks, renomado neurologista, autor de "Tempo de Despertar"
Oliver Sacks (1933-2015): médico neurologista, autor de “Tempo de Despertar”.

Como o Doutor Google pode trabalhar a nosso favor?

Não se trata de uma competição entre o médico e o computador! Somos nós que precisamos usar a informação amplamente disponível a nosso favor.

Muitas vezes tenho atendido pessoas em crises de extrema ansiedade e sofrimento porque viram nos seus resultados um valor anormal. Quase nunca o resultado significava de fato algo negativo. E, nos raros casos em que o laudo realmente trazia a má notícia, creio que poderia ter conduzido uma comunicação mais amena durante a consulta. Sim, porque é papel do médico não somente dar o diagnóstico, mas também amparar, direcionar e apontar perspectivas.

Sem dúvida, a consulta pode ser muito rica quando o paciente é bem informado. Quando a pessoa é atenta aos seus sintomas, e relata doenças e cirurgias prévias. Sabe quais antibióticos e outros medicamentos, incluindo os fitoterápicos e polivitamínicos que tem usado. Conhece o histórico de saúde da sua família. Quando traz os seus resultados de exames, e acompanha cuidadosamente o seu calendário vacinal. Todos esses aspectos são considerados na discussão sobre riscos e benefícios dos exames, e intervenções. As decisões compartilhadas, assim, certamente são mais seguras e mais satisfatórias.

Como usar a informação sobre saúde nas redes

EVITE:

  • Buscar por sintomas ou nomes de exames, aleatoriamente (Por exemplo: “O que causa inchaço nos pés?”, “O que significa CA19-9?”).
  • Pedir conselhos nas redes sociais (Por exemplo: “Que medicamento vocês estão usando para emagrecer?).
  • Ver resultados de exames antes da consulta médica, principalmente se você tem muito medo de resultados fora dos limites de referência.
  • Fazer diagnóstico a partir de lista de sintomas. E, na sequência, a automedicação.
  • Assumir que o que está descrito nos textos vai acontecer com você. (Por exemplo: “O pólipo intestinal benigno pode evoluir para câncer – então eu vou ter um câncer!”).
  • Confiar em profissionais que prometem curas e resultados fáceis. Muitos se intitulam “professor-doutor” de alguma universidade famosa e dão orientações irresponsáveis.
  • Acreditar que um profissional é bom apenas porque tem muitos seguidores na rede, ou muitos elogios e pessoas dizendo “indico de olhos fechados”. Um bom médico nem sempre é o que mais agrada.
O bem humorado Widegren, em "Never Google Your Symptoms" (Nunca Google seus sintomas), também aconselha a não buscar informações a partir dos seus sintomas.
As legendas em português podem ser ativadas no rodapé do video no Youtube.

ATITUDES POSITIVAS:

  • Escolher fontes confiáveis para ler sobre uma doença de interesse. Por exemplo, se um familiar foi diagnosticado com doença de Alzheimer, é útil ter conhecimento para melhor compreender e apoiar o doente. De maneira geral, são confiáveis os sites de universidades, hospitais, sociedades médicas de especialidades, associações de portadores de doenças, além da mídia jornalística baseada na ciência.
  • Levar à consulta uma lista de dúvidas e perguntas, e checar se as informações são verossímeis.
  • Estudar para compreender a doença e participar das decisões sobre exames e tratamentos.
  • Acompanhar informações sobre saúde em geral que passem por uma curadoria qualificada e que possuam embasamento científico.

E a relação médico-paciente continua essencial e sagrada!

Referências bibliográficas

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/article-abstract/2565684

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.5694/mja2.50600

Escrito por

Marta Deguti

Médica hepatologista, nipo-paulistana de nascimento e de coração, casada, mãe de dois filhos, de um cãozinho e de uma gatinha.