“O olhar, identidade do sair e do entrar em si, é a definição mesma do espírito”
Marilena Chauí
Aqui peço uma licença poética.
Uma licença que é quase um modo de resistência a este universo em que estamos imersas.
Carregado de imagens cada vez mais distorcidas da realidade.
Desde que se tem registro, e talvez até por ser o nosso mais apurado órgão do sentido, os olhos estão diretamente implicados na formação do conhecimento. Para os antigos, beeeeem antigos (pré-socráticos), “ver” era sinônimo de “conhecer”. Inclusive na medicina, na ciência: observamos a natureza e, à partir desta observação elaboramos experimentos para comprovar a causa e consequência de um fenômeno. Assim, todos os posts, fotos, fake news ou não, atrelados a um algoritmo perverso das redes sociais, caminham pela via óptica, entram na circuitaria cerebral… e formam uma opinião (longe, muito longe de se chamar de “conhecimento”).
Até aí, tudo bem! Bacana seria então
uma roda de conversa: olho no olho.
“Portanto, se o olho quiser ver-se a si mesmo terá que dirigir o olhar para outro olho (…) Pois bem, se a alma desejar conhecer-se a si mesma deve olhar para uma outra alma em sua melhor parte e ali onde se encontra a faculdade própria da alma, a inteligência ou algo que lhe assemelhe (…) haveria nela pane mais divina do que aquela onde se encontram intelecto e razão?
Platão
O olhar sincero, aberto, humilde, disposto a compartilhar essências de alma: o que diria ser uma “verdade” e transparência singular. Ou ainda, de enxergar o reflexo do próprio olho na córnea do outro. De, assim, encontrar-se consigo mesmo.
Entretanto, o mundo virtual não tem o privilégio de ver o outro.
Na falta de lapidar a própria alma, há que se sentir VIDA. Quer-se provocar alguma reação, uma sintonia, uma visualização e além: um “like”. Daí não importa mais o conteúdo ou o caráter do post. Ou ainda, produz-se o conteúdo com a finalidade de captar seguidores, independente do conteúdo.
“independente do conteúdo”…
Que agora “produz conteúdo” ou “forma opinião” – “influenciador digital”. Quanto maior a descarga hormonal provocada, mais provável compartilhar. E este é o objetivo: viralizar!
Como vírus, o melhor é o que mais se espalha. E, infelizmente, o sentimento que movimenta e sobrepuja a razão, ainda é a raiva. Eis que nos tornamos uma sociedade inflamada de ódio/indignação/resignação…
Estamos cada vez mais doentes.
“O médico deve falar do que é invisível. O que é visível, pertence ao seu conhecimento, como a qualquer outro que não seja médico e reconheça a doença pelo sintoma. Mas isto está longe de fazê-lo médico: torna-se médico quando, e somente quando, souber o invisível e imaterial, eficazes.”
Marilena Chauí
Acredito, como M Chauí, que a medicina pede um olhar para além da visão dos sintomas, e embrenhar-me filósofa do invisível. Assim:
Este “estado inflamatório” suscitado pelo estresse das redes sociais e deste mundo online o tempo todo, leva a uma doença da retina que distorce os detalhes de uma imagem, a maculopatia serosa central. Avaliamos esta distorção através da observação de um papel quadriculado que chamamos Tela de Amsler:
A alma inflamada distorce as imagens reais. Se não parar para pensar, relaxar, rever o que estressa e perturba, o ciclo permanece. A maculopatia só piora e aí, a imagem distorcida da realidade fica para sempre.
Olho no olho, janelas da alma
Que tal limpar a alma para enfim limpar a imagem, como espelho sem distorção do mundo.
E aí, escolher bem o que se enxergar para manter a alma em paz.