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Está “cientificamente comprovado”

Nos últimos tempos, as pessoas acompanham dia-a-dia notícias sobre medicamentos e vacinas para as principais questões de saúde. E às vezes é difícil discernir o que está “cientificamente comprovado” do que é boato. Em todo tipo de mídia, os temas sobre saúde chamam a atenção. Seja porque estamos preocupados com a nossa segurança, seja porque os anúncios prometem melhorar nossa imagem e desempenho. E é tanta informação! Além disso, até mesmo profissionais de elevada credibilidade fazem afirmações contundentes, que são desmentidas por outras fontes. Ou eles mesmos dizem que mudaram de opinião.

Quanto tempo dura uma “verdade científica”?

Se olharmos um pouco mais para trás, percebemos quantas “verdades” mudaram. Foi assim com a recomendação de beber uma taça diária de vinho. Hoje, o consumo regular de álcool é considerado preocupante pelos diversos problemas de saúde que acarreta. O papel do ovo na dieta, o uso continuado de vitaminas, o uso de antibióticos, as sangrias, os torniquetes, o modo de fazer curativos… quantos conceitos mudaram nas orientações de saúde!

Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.

Friedrich Nietzsche

A Medicina Baseada em Evidências: resultados comprovados cientificamente aplicados ao indivíduo

A Medicina praticada atualmente é baseada na experiência obtida por comprovação científica. Até o século XIX, a Medicina se pautava pela tradição e empirismo. Com o progresso do conhecimento, o desenvolvimento de equipamentos, a expansão das universidades e seus laboratórios de pesquisa, passou a ser central na formação dos médicos o padrão científico.

O modo de prevenir e tratar as doenças é estabelecido com base nos resultados apresentados em publicações científicas. E esses conceitos vão sendo revisados e atualizados.

“Médicos e cientistas comprovam: esse tratamento resolve seu problema!”.

Essas palavras sugerem que foram feitas pesquisas até o veredicto definitivo. O leitor crítico, contudo, questiona o nível de evidência científica!

leitora crítica questiona manchete que anuncia que médicos cientistas comprovaram a cura
O leitor crítico questiona o nível de evidência, frente aos anúncios de curas “cientificamente comprovadas”.

Para isso, é preciso conhecer o conceito de Medicina Baseada em Evidências.

Medicina Baseada em Evidências é o uso consciencioso, explícito e judicioso das evidências correntes, na tomada de decisões relativas ao cuidado de pacientes, vistos de maneira individual. (Sackett e cols)

E existe uma hierarquia qualitativa dos diferentes tipos de estudos científicos:

  1. Relato de caso ou série de casos: são registros de observações médicas. Pode sugerir correlação. Por exemplo, apontar que algum medicamento ou vacina pode ter causado determinado efeito colateral.
  2. Estudo de caso-controle: é observacional retrospectivo. Compara grupos de pessoas que tiveram exposição a um fator e outro não. Por exemplo, entre os que apresentaram formas grave de covid-19, houve maior frequência de pessoas com idade mais avançada, do gênero masculino, com índice de massa corpórea acima de 27 e com diabetes mellitus.
  3. Estudo de coorte: também é observacional, e compara por um determinado período grupos de pessoas que se expuseram a um fator, com outro que não se expôs. Por exemplo, a avaliação se pessoas que fazem atividade física regular e meditação, ou que cuidam bem da saúde bucal chegarão mais saudáveis na terceira idade.
  4. Estudos randomizados controlados: os pacientes que participam do estudo são sorteados para receber um tratamento ou placebo (isto é, uma substância sem efeito). O estudo pode ser “simples-cego” ou “duplo-cego”. No primeiro, o paciente não sabe se recebe o medicamento em estudo ou placebo. No duplo-cego, nem o paciente, nem o pesquisador sabem. O intuito é tornar a avaliação do efeito o mais isenta possível.
  5. Revisão sistemática: analisa múltiplos estudos randomizados controlados. Para isso, avalia a qualidade dos estudos incluídos: o número de pacientes, os critérios utilizados para inclusão, exclusão, a fonte de onde os pacientes foram triados, o tempo de estudo, a dose utilizada, se os estudos eram “cegos” (vide item 4 acima), e assim por diante.

A revisão sistemática é o padrão-ouro da Medicina Baseada em Evidências

A Biblioteca Cochrane reúne o banco de revisões sistemáticas para apresentar a melhor evidência científica. São as análises estatísticas que apontam  quais são as medidas que estão sendo eficientes, fúteis e ou até mesmo desfavoráveis nas populações estudadas. E, dessa forma, norteiam as opções terapêuticas.

Finalmente, as boas decisões requerem o verniz da experiência clínica, do senso de humanidade, da percepção do indivíduo como um ser único.

Galileo Galilei verdade científica tempo revela

A verdade é filha do tempo, e não da autoridade.

Galileu Galilei 

 Referências bibliográficas

  1. Mayer M. Research integrity and the law that never was. BMJ Evidence-Based Medicine 2018; 23:218.
  2.  Sackett DL, Rosenberg WMC, Gray JAM, Richardson WS. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ. 1996;312:71-2
  3. https://www.sciencemediacentre.co.nz/coveringscience/types-of-scientific-evidence/
  4. Biblioteca Chcrane Brasil.
  5. McAlister et al. Users´Guides to the Medical Literature: XIX. Applying clinical trials results B. Guidelines for determining wheter a drug is exerting (more than) a class effect. JAMA; 1999:282:1371.

Escrito por

Marta Deguti

Médica hepatologista, nipo-paulistana de nascimento e de coração, casada, mãe de dois filhos, de um cãozinho e de uma gatinha.