Férias! Nada como viajar! Mas, de repente, surge o anúncio: “se houver algum médico a bordo, favor identificar-se”…

Médicos ou profissionais da saúde a bordo

Todos os anos, cerca de 2 bilhões de pessoas realizam viagens aéreas em todo o mundo. Alguns estudos demonstram que aproximadamente 50% das emergências durante o voo são atendidas por voluntários médicos, 25% por enfermeiros ou outros profissionais da saúde e 25% pela tripulação.

As emergências médicas durante o voo são eventos únicos para os voluntários que podem ser chamados a prestarem atendimento numa situação nada familiar: horas de distância até o serviço médico mais próximo, equipamento médico reduzido, espaço restrito da cabine, bem como pessoal pouco treinado impõem grandes desafios.
Como qualquer outro atendimento médico, ao prestar socorro estabelece-se uma relação médico-paciente passível de obrigações e de responsabilidades. Esta relação poderá ser regulamentada pelas leis do país em que o avião está registrado, do país em que ocorreu o incidente ou do país natal do paciente. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Ato de Assistência Médica na Aviação, também chamado de “Bom Samaritano”, protege passageiros que se voluntariam a prestar atendimento salvo em casos de negligência ou má conduta grosseira.

Um número crescente de companhias aéreas usa os serviços de centros remotos de resposta a emergências, acionados via satélite; porém, se a telemedicina não estiver disponível, o médico voluntário deve trabalhar com a tripulação e pode sugerir opções de tratamento ou de desvio de voo. No entanto, a decisão de desvio é de total responsabilidade do piloto comandante.

Se um passageiro precisar de acompanhamento ou de tratamento durante o voo, pode ser que o voluntário tenha que permanecer ao seu lado até que o avião pouse. Neste momento, o voluntário passa o cuidado à equipe médica em terra.

 

Frequência e tipo de emergências durante o voo

A prevalência das emergências médicas durante o voo é relatada em 1 para cada 604 voos, certamente subestimada pois não existe notificação de incidentes menores que não exigem consulta. Felizmente, a parada cardiorrespiratória durante o voo é rara, respondendo por apenas 0,2% das emergências.

As emergências mais frequentes são:

  • Síncope ou pré-síncope (32,7%)
  • Alterações gastrointestinais (14,8%)
  • Distúrbios respiratórios (10,1%)
  • Sintomas cardiovasculares (7%)
  • Reações alérgicas (1,6%): geralmente alergias alimentares
  • Emergências obstétricas (0,7%)
  • Traumas (por exemplo, quedas)
  • Alterações psiquiátricas (variando de ansiedade a psicoses)

Principais problemas na cabine do avião

Por que as emergências acontecem?

As viagens aéreas expõem pessoas à menor pressão da cabine e a níveis de oxigênio menores do que o normal. Para a maioria das pessoas, estas mudanças não são sentidas. Entretanto, para pacientes com certas condições clínicas, pequenas mudanças atmosféricas podem ter efeitos significativos e potencialmente graves.

Pressurização da cabine

Embora as aeronaves comerciais tipicamente voem em altitudes entre 6700 e 13400 metros para melhorar sua eficiência, o processo de pressurização mantém a cabine em pressão de altitude equivalente a 2439 metros ou menos, com a pressurização da cabine variando de 1524 a 2439 metros.

Nesta altitude, a pressurização leva à expansão dos gases retidos em espaços fechados do corpo humano, por exemplo os seios da face e os ouvidos, causando algum desconforto principalmente em pacientes com inflamações no trato respiratório superior, como otites  e sinusites. Se houver bolhas de ar no pulmão, estas podem romper-se e levar a um pneumotórax (situação em que o ar sai do pulmão e fica na cavidade torácica, no espaço ao redor dos pulmões). Pode gerar dor e desconforto respiratório e, também, evoluir mal se não for adequadamente diagnosticado e tratado.

Níveis de oxigênio reduzidos na cabine

Embora indivíduos com reserva cardiopulmonar normal possam facilmente compensar os níveis reduzidos de oxigênio, viajantes com problemas cardiológicos ou respiratórios são susceptíveis e costumam não tolerar. Assim, podem ocorrer palpitações, alterações neurológicas, formigamento de extremidades, falta de ar, dor no peito e dificuldade para respirar.

Outros fatores de risco nas viagens aéreas

A imobilidade e a queda da oxigenação podem provocar diminuição no fluxo de sangue pelas veias das pernas, aumentando o risco de tromboses. Os sintomas de trombose das veias e de embolia de pulmão (quando um coágulo sai da veia e chega ao pulmão) geralmente ocorrem de horas a dias após a viagem aérea. Os tromboembolismos venosos assintomáticos podem ocorrer em até 10% dos passageiros de voos de longa duração, isto é, maiores do que 4 horas.

O ar seco da cabine, retirado do ambiente externo, pressurizado e desumidificado pode contribuir para a desidratação dos viajantes.

 

Prevenindo as emergências

O meio mais efetivo de cuidado é a prevenção das emergências.

Os passageiros devem ser orientados a se hidratar com frequência e a ingerir refeições regularmente, especialmente aqueles em voos longos ou com conexões. O álcool deve ser evitado em viagens longas devido às ações diuréticas e vasodilatadoras.

Viajantes com diabetes devem ser orientados a carregar seus medidores e sua medicação a bordo.

É importante:

  • Pedir assistência especial para pacientes que usam suplementação de oxigênio. Para aqueles que usam concentrador de oxigênio portátil, sua bateria deve ser suficiente para exceder a duração do voo, preferencialmente 150% a mais do que o tempo estimado.
  • Carregar na mala de mão os medicamentos de uso diário, a prescrição médica, bem como uma carta explicando condições clínicas como alergias ou presença de marca-passo ou desfibriladores implantáveis.
  • Tomar as medicações de uso diário adequadamente durante o voo.
  • Solicitar refeições adequadas: para alergias, intolerâncias, com pouco sal ou sem açúcar.
  • Evitar colocar bagagem no espaço destinado às pernas.
  • Andar no corredor da cabine a cada hora.
  • Exercitar as pernas regularmente enquanto sentado.
  • Evitar medicações para dormir porque o sono induzido, por ser mais profundo, pode deixar o passageiro em posição desfavorável, comprimindo veias por mais tempo e dificultando o retorno do sangue.

 

Quem não deve viajar?

Indivíduos com:

  • infarto agudo do miocárdio não complicado que ocorreu há 2 ou 3 semanas
  • infarto agudo do miocárdio complicado há menos de 6 semanas
  • hipertensão não controlada
  • cirurgia de revascularização miocárdica (as pontes de safena ou mamária) há 14 dias
  • AVC (derrame) há duas semanas
  • angina ou dor no peito ao repouso ou a mínimos esforços
  • insuficiência cardíaca descompensada
  • epilepsia não controlada
  • pneumotórax
  • doenças pulmonares severas, incluindo asma
  • gravidez complicada ou avançada
  • algumas infecções, como tuberculose pulmonar ativa
  • grandes cirurgias há 10 a 14 dias

 

Covid-19

Durante a pandemia, as seguintes pessoas não devem voar em linhas comerciais:

  • Indivíduos com qualquer sintoma consistente com Covid-19, mesmo os completamente vacinados ou os que se recuperaram de infecção pregressa
  • Aqueles com suspeita de Covid-19 ou com Covid-19 confirmada independentemente de sintomas
  • Viajantes que aguardam seu resultado do teste de Covid-19
  • Indivíduos não vacinados que foram expostos a Covid-19 há até 14 dias

 

Férias

As férias fazem parte do bom hábito de vida. É momento de lazer, de relaxamento, de conviver mais intensamente com pessoas amadas. Por isso, siga as recomendações do seu médico e aproveite! Leia, dance, descanse, durma bem, movimente-se, descubra novos lugares, faça amigos ou descubra mais de si mesmo.

Quer saber mais por que viajar também é importante?  Assista ao vídeo abaixo! (legendas disponíveis em Português)

 

“Viajar! Perder países!

Ser outro constantemente,

Por a alma não ter raízes

De viver de ver somente!

 

Não pertencer nem a mim!

Ir em frente, ir a seguir

A ausência de ter um fim,

E a ânsia de o conseguir!

 

Viajar assim é viagem.

Mas faço-o sem ter de meu

Mais que o sonho da passagem.

O resto é só terra e céu.”

Fernando Pessoa

Referências:

  1. Naouri D, Lapostolle F, Rondet C, et al. Prevention of Medical Events During Air Travel: A Narrative Review. Am J Med 2016; 129:1000.e1.
  2. https://edhub.ama-assn.org/jn-learning/module/2719313