Agosto, mês do desgosto. Agosto, mês do cachorro louco, das bombas em Nagasaki e Hiroshima, da morte do Rei do Rock Elvis Presley.
Triscaidecafobia em agosto e Elvis
Quando era criança tinha dificuldade em entender a razão deste mês comprido fora de ordem. Mais tarde descobri que o oitavo mês do calendário gregoriano é uma homenagem ao Imperador Cesar Augustus, que, movido pela inveja de Júlio Cesar e seu mês de julho com 31 dias, também assim o quis.
Contudo, apesar dos infortúnios e até porque dizem que Elvis não morreu, agosto tem um bom motivo para ser lembrado. Dia 13 de agosto, desafiando a Triscaidecafobia *é o Dia do Médico Psiquiatra.
Palavras complicadas à parte, esta é a data de fundação da Associação Brasileira de Psiquiatria ( ABP) há mais de meio século. A ABP tem exercido um importante papel social com campanhas nacionais de peso, como combate a Psicofobia, o Bullying e o Setembro Amarelo na prevenção do suicídio. Tudo isso além de manter um canal aberto de informações cientificas voltadas não somente para o profissional da área, mas expandindo para população leiga. A importância de desestigmatizar o transtorno psiquiátrico é enorme e muito longe de ser simples.
Citar a psiquiatria em consultas ou em conversas, gera reações diversas, em geral intensas. O paciente quando encaminhado muitas vezes se sente ofendido, desconsiderado em suas queixas, ou chamado de louco e incapaz. As pessoas olham com pesar ou desconfiança para aquele que faz tratamento…Outros já julgam ser um exagero e imaginam teorias da conspiração da indústria farmacêutica. Este conjunto de valores negativos arraigados na maior parte das culturas gera desconforto e obstáculos para quem realmente precisa de ajuda.
A nosologia psiquiátrica não é isenta de falhas e controvérsias, entretanto tem colaborado bastante na evolução dos tratamentos. Alguns acreditam demais outros desacreditam totalmente, alguns desconfiam, porém uma coisa que ficou muito clara é a importância do conhecimento dos transtornos psiquiátricos para reduzir o sofrimento de quem precisa.
Um bilhão de pessoas com transtorno mental
A OMS publicou recentemente, em junho de 2022, a maior revisão mundial sobre saúde mental desde o começo deste século afirmando que um bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental em 2019. Com o advento de desafios globais como a pandemia de COVID-19 , houve um aumento de 25%de depressão e ansiedade ao longo do primeiro ano. Lembrando que 14% deste contingente é composto apenas por adolescentes!
Uma realidade com dados acachapantes de dificuldades de cuidados com a saúde mental global. Cerca de apenas um 1/3 das pessoas com depressão recebendo atendimento mesmo em países mais desenvolvidos e mais de 70% das pessoas com algum tipo de transtorno psicótico sem nenhum atendimento.
Vários fatores impedem as pessoas de procurar ajuda em saúde mental e aqui falaremos sobre uma das razões de grande peso: o estigma e discriminação, ou simplesmente, a psicofobia.
Como a psicofobia atrapalha o cuidado com a saúde mental?
Quando a própria pessoa com transtorno psiquiátrico ( TP) tem preconceito em relação aos próprios transtornos psiquiátricos, em primeiro lugar, ela sofre.
Sofre no mínimo pelo estigma de se sentir com uma falha, uma fraqueza, ou culpa. E pior de tudo é sofrer por um fato não verdadeiro.
Também pode deixar de procura ajuda porque imagina que só com sua “ força de vontade” vai conseguir superar a depressão ou quadro de ansiedade por exemplo. O problema é que quando não funciona, a pessoa se sente culpada e fracassada, deixando de procurar a ajuda adequada ou permitir o agravamento dos sintomas .
Quando as pessoas próximas tem psicofobia
Reforçam o que a própria com TP pessoa já imagina e sente, além da culpa de não desempenhar seu papel adequadamente, nem seguir as instruções de processos supostamente para “melhora ou cura”, independente da comprovação científica. Ou então com a melhor das intenções, ficam sugerindo, comparando situações, ou qualquer outra atitude não muito produtiva….afinal de boas intenções o inferno esta cheio.
Não bastam boas intenções, precisamos fazer a coisa certa.
Quando os profissionais de saúde tem psicofobia
Alguns profissionais de saúde têm atitudes negativas em relação a questão, incluindo estereótipos de que os pacientes com TP são preguiçosos, sem autocontrole e força de vontade, são pessoalmente culpados por seu quadro e não aceitam o tratamento. Os encaminhamentos ficam soltos, orientações nem sempre efetivas e criam baixa expectativa de resolução tanto por parte do paciente quanto do profissional de saúde.
Quando a sociedade tem preconceito
O impacto prejudicial do estigma do TP e seu tratamento, no entanto, vai além dos danos ao indivíduo. A visão muitas vezes simplificada de que o TP pode ser revertido por decisões voluntárias ou somente medidas paliativas e prevenção, exerce influências negativas nas políticas de saúde pública, alocação de recursos e acesso a tratamentos e pesquisas.
Portanto
Se alguém se corta profundamente com uma faca na cozinha ao preparar uma refeição , ela deve ir ao pronto socorro fazer higiene, avaliação e eventualmente uma sutura.
Não cabe neste momento por exemplo orientar a fazer com mais calma e tranquilidade as tarefas diárias a fim de evitar acidentes, prestar mais atenção, cuidar da iluminação da bancada…
Certamente todas estas orientações são úteis, mas não vão resolver este corte. Uma vez instalada a doença, ela precisa ser tratada. As outras medidas são coadjuvantes e podem ajudar a evolução e prevenção de novos eventos, mas não funcionam como tratamento deste que já existe ( o corte profundo)
Na saúde mental de forma similar, uma vez instalado e adequadamente diagnosticado, o transtorno psiquiátrico, ele deve ser tratado . Todos os outros cuidados são muito bem vindos e certamente poderão auxiliar na melhora e manutenção da saúde mental, em conjunto.
referências
1.www.https://www.abp.org.br/
2.www.psicofobia.com.br
3.www.who.int/publications/i/item/9789240049338
Obs.: o texto foi parcialmente reproduzido a partir de uma aula minha em evento da ONG Obesidade Brasil para falar sobre preconceito no tratamento da obesidade. Impressionante como preconceito atinge estas duas populações , de pessoas com obesidade e de pessoas com TP .
*medo irracional do número 13