E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais…

Vinicius de Moraes

Morte súbita é toda a morte inesperada, não violenta, reanimada ou não. Pode ter origem não cardíaca ou cardíaca. Esta é comum, respondendo por cerca de 5 a 15% da mortalidade em países desenvolvidos.

No esporte, a morte súbita é definida como a que ocorre até uma hora e meia após o exercício físico. É rara e sua incidência varia de 1 para 50 mil a 1 para 100 mil atletas jovens (até 34 anos) por ano. A taxa é mais alta em atletas adultos (de 35 anos ou mais), chegando a 1 para 7000 atletas mais velhos e saudáveis por ano.

Exemplos de causas não cardíacas:

  • embolia de pulmão
  • obstrução de via aérea
  • hemorragia intracraniana
  • epilepsia
  • uso de drogas (“overdose”)

Morte súbita cardíaca e parada cardíaca em adultos

A morte súbita cardíaca e a parada cardíaca referem-se à cessação da atividade cardíaca, gerando colapso hemodinâmico, deixando a vítima sem pulso, sem respirar e inconsciente.

A parada cardíaca é a morte súbita abortada espontaneamente ou por intervenção, com restabelecimento da circulação sanguínea. Porém, por convenção, o uso do termo “morte súbita” serve para descrever as paradas cardíacas fatais ou não fatais.

A inconsciência ocorre de segundos a minutos como resultado do fluxo sanguíneo cerebral insuficiente. Geralmente não ocorrem sintomas premonitórios, mas, quando acontecem, são dor no peito, sensação de desmaio e falta de ar. Entretanto, em atletas, a ocorrência de sintomas anteriores ao quadro é mais comum.

As arritmias e a morte súbita

As chamadas arritmias malignas são a causa mais frequente de morte súbita reversível. Podem acontecer na vigência ou na ausência de doença estrutural do coração. São elas:

  •  taquicardia ventricular sustentada- ocorre quando os ventrículos contraem tão rapidamente que não conseguem se encher de sangue para bombeá-lo
  • fibrilação ventricular – acontece quando a atividade elétrica é caótica nos ventrículos, os quais deixam de contrair efetivamente e bombear o sangue

Assista aqui para compreender a fibrilação ventricular (legendas disponíveis em Português nas configurações do vídeo):

Maiores causas

A morte súbita geralmente ocorre em pessoas com doença estrutural do coração e sua incidência aumenta com a idade. É 2 a 3 vezes mais comum em homens e, nas mulheres, o risco é maior após a menopausa.

Algumas doenças estruturais do coração:

  • Doença arterial coronária: responsável por até 70% dos casos. A parada cardíaca pode acontecer no infarto agudo do miocárdio tanto por necrose do músculo cardíaco e falência para bombear o sangue, como por arritmia. Em mais de 50% dos pacientes com doença arterial coronária, a parada cardíaca ocorre como sua primeira manifestação.
  • Insuficiência cardíaca e cardiomiopatia: responsável por 1/3 das mortes súbitas que ocorrem por falência do músculo cardíaco ou por arritmia. Como exemplo, a doença de Chagas e a cardiomiopatia alcoólica.
  • Hipertrofia do ventrículo esquerdo secundária à hipertensão arterial não controlada ou a doenças valvares.
  • Miocardite: inflamação do músculo cardíaco, frequentemente viral.
  • Cardiomiopatia hipertrófica: é uma doença comum na população geral, ocorrendo em 1 de cada 500 indivíduos. Pode provocar dificuldade à saída do sangue do coração, arritmias e insuficiência da valva mitral.
  • Coronárias anômalas: doença congênita que pode também ocasionar síncope e angina.
  • Prolapso da valva mitral: nos pacientes com prolapso da valva mitral, a morte súbita é rara (aproximadamente 1% por ano) e fica mais frequente naqueles com folheto redundante e sintomas por piora da função do ventrículo esquerdo.

Ausência de doença estrutural do coração:

Aproximadamente 10 a 12% dos casos de morte súbita em indivíduos com menos de 45 anos ocorrem na ausência de doença estrutural do coração, contra menos de 5% em idosos.

As causas são predominantemente doenças do sistema elétrico cardíaco, gerando, assim, arritmias graves como primeira manifestação de doença.

Ainda, vale lembrar a Commotio cordis, definida como a morte súbita secundária à arritmia ventricular resultante do impacto sobre a parede torácica, principalmente em esportes competitivos e recreativos como beisebol, hockey e, menos frequentemente, futebol e rugby.

Fatores de risco

  • Tabagismo: o número de cigarros fumados por dia e o tabagismo ativo são fortemente relacionados aos risco de morte súbita em pacientes com doença arterial coronária.
  • Exercício: o risco de morte súbita aumenta transitoriamente durante e até 30 minutos após exercícios extenuantes. Entretanto, a magnitude do risco transitório é menor naqueles que se exercitam regularmente. Este risco transitório também não supera a redução de risco global de doença coronária gerado pela prática regular de atividade física.
  • História familiar de morte súbita: associada ou não ao infarto do miocárdio.
  • Excesso de ingestão de álcool: 6 ou mais doses por dia ou o “binge” aumentam o risco de morte súbita.

Atletas

A maioria dos eventos em atletas acima de 35 anos de idade ocorre na presença de doenças estruturais do coração, principalmente a doença coronária. Deste modo, o exercício físico pode funcionar como um gatilho pois provoca um estresse funcional ao coração.

Por ser uma doença comum, a incidência de cardiomiopatia hipertrófica em atletas de qualquer idade também é frequente.

Já nos atletas abaixo de 35 anos, os dados sugerem maior incidência de doença arrítmica do que estrutural.

 

O papel dos desfibriladores automáticos

Embora a sobrevivência após uma parada cardíaca seja geralmente baixa, a intervenção mais eficaz é o choque elétrico externo precoce, capaz de restabelecer o ritmo cardíaco e restaurar a circulação sanguínea quando a parada cardíaca ocorre por taquicardia ventricular sustentada ou por fibrilação ventricular.

A desfibrilação precoce está associada à maior chance de sobrevida. No entanto, esta diminui de 5 a 10% para cada minuto adicional perdido entre a parada cardíaca e a desfibrilação.

Os desfibriladores externos automáticos (DEAs) permitem que pessoas não treinadas na interpretação do ritmo cardíaco sejam capazes de providenciar o choque elétrico precoce, aumentando, assim, o potencial de salvamento das equipes de socorro – policiais, bombeiros, professores de educação física, por exemplo. Para isso, o DEA deve estar presente em lugares com grande movimentação de pessoas, como aeroportos, academias de ginásticas, indústrias e estações rodoviárias.

A desfibrilação precoce, usando o DEA de forma apropriada, demonstrou melhora na sobrevida e preservação neurológica quando  realizada fora do ambiente hospitalar.

Algumas desvantagens:

  • custo
  • requer treinamento para ser operado
  • apenas 50% das paradas cardíacas são testemunhadas quando ocorrem
  • os desfibriladores atuais obrigam interrupções nas manobras de ressuscitação cardiopulmonares para análise do ritmo cardíaco

Futuro:

Programas inovadores usando aplicativos de “smartphones” têm o papel potencial de substituir o DEA e de aplicar o choque elétrico externo de forma ainda mais precoce.

O desfibrilador automático (imagem de P.L. de Unsplash)

Prevenção

Para a população geral, reduzir fatores de risco pode diminuir a chance de morte súbita:

  • tratar a hipercolesterolemia
  • controlar a pressão arterial
  • adotar estilo de vida saudável
  • interromper o tabagismo
  • tratar adequadamente o diabetes
  • diminuir o consumo de álcool
  • fazer exercícios regularmente

Algum nível de restrição de atividade física é geralmente recomendado para quase todos os indivíduos com doença cardíaca. Porém, o hábito de exercitar-se regularmente deve ser encorajado, já que diminui o risco global de morte súbita e de doença arterial coronária se comparado à população sedentária.

A avaliação por um cardiologista ou um médico do esporte deve ser feita não para interromper o hábito de se exercitar, mas para prevenir situações de risco.

(Foto por Michal Jarmoluck de StockSnap)

Referências:

Emery MS, Kovacs RJ. Sudden Cardiac Death in Athletes. JACC Heart Fail. 2018 Jan;6(1):30-40. doi: 10.1016/j.jchf.2017.07.014. PMID: 29284578.

Isbister J, Semsarian C. Sudden cardiac death: an update. Intern Med J. 2019 Jul;49(7):826-833. doi: 10.1111/imj.14359. PMID: 31295785.