Mulher se balança ao por do sol

Qual seria a relação possível entre o útero e o coração?

Poderia haver uma relação entre o útero e o coração?

Vamos investigar a relação entre o seu útero e seu coração. Provavelmente você já ouviu falar em endometriose. Sim, a endometriose é uma condição que acomete 10% das mulheres em idade fértil. Consiste no implante de células do estroma uterino na cavidade abdominal e órgãos contíguos. Recentemente, vem se investigando indícios de que na endometriose, o risco de infarto do coração e de  AVC  seria maior. Existem sobreposições de vias metabólicas inflamatórias e genéticas que poderiam explicar essa relação entre o útero e o coração.

Assista ao vídeo abaixo para uma rápida explicação para o que é endometriose:

Os sintomas mais comuns da endometriose são dor pélvica crônica, dor no ato sexual, alteração do ciclo menstrual e infertilidade. Pode ser uma condição assintomática e mais raramente uma doença mais grave. Seu diagnóstico requer exames de imagem como o ultrassom transvaginal e a ressonância magnética.

O desenvolvimento da endometriose envolve fatores hormonais, fatores imunológicos pró-inflamatórios, com alteração do funcionamento normal dos vasos sanguíneos e fatores genéticos, além de fatores socioculturais. Há um processo de inflamação crônica. Esses processos inflamatórios de disfunção dos vasos sanguíneos são comuns ao desenvolvimento da aterosclerose.

 

Endometriose e aterosclerose

Será que essas doenças são duas entidades completamente separadas? Ou podem coexistir, como espectros distintos do mesmo processo de doença? Uma condição afeta mulheres jovens e outra mulheres maduras. Entre ambas condições existe uma sobreposição dos mecanismos de doença. Recentemente se descobriu que há locus genéticos que predispõem à endometriose e também à aterosclerose, dilatações (aneurisma) da aorta abdominal, obstruções por aterosclerose das artérias (doença vascular periférica), diabetes e AVC.

Embora ainda não seja um consenso e ainda mais estudos sejam necessários, ultimamente, justamente por essa interação dos mecanismos de doença, a endometriose tem sido associada a maior risco cardiovascular.

Vejamos a relação da endometriose com alguns dos fatores de risco cardiovascular:

Hipertensão arterial

Mulheres com endometriose têm maior risco de hipertensão, talvez pelo uso crônico de anti-inflamatórios para tratar a dor pélvica crônica, ou pelo processo crônico inflamatório ou ainda por consequência de retirada dos ovários devido à endometriose e entrada na menopausa precoce. Na hipertensão gestacional, a endometriose é um fator de risco estabelecido.

Perfil das gorduras no sangue

Cerca de 30% das mulheres com endometriose também têm aumento das taxas de colesterol no sangue.

Cigarro

O cigarro é um fator de risco para infarto bem conhecido e estabelecido, mas seu efeito sobre a endometriose é ainda uma questão em aberto.

Diabetes

A associação com a diabetes tipo II também tem estudos conflitantes e ainda não está bem determinada.

Mas e o risco de Infarto do Coração?

mulher salta com expressão de felicidade contra um céu azul
Cuidar de seus ciclos mensais pode ser cuidar de seu coração

As mulheres com endometriose têm maiores chances de desenvolver um infarto ou um acidente cerebral, no entanto, os estudos que verificaram esses riscos ainda necessitam de confirmação, pois não tem um grande rigor científico. Ambas condições clínicas dividem várias vias metabólicas inflamatórias e genéticas que poderiam explicar essa possível relação. Há ainda a possibilidade do tratamento com contraceptivos, prostaciclinas e hormônios análogos ao GnRhH (gonadotrofina releasing hormone) como potenciais fatores de alteração do perfil lipídico, ganho de peso e aumento do risco cardiovascular.

Os estudos indicam que a inflamação sistêmica da endometriose pode ativar a reação plaquetária e favorecer a formação de trombos, que ocasionaria infarto do coração.

O inverso também parece ser verdadeiro: o tratamento do coração repercute na endometriose. As medicações para redução de colesterol como as estatinas que têm efeito anti-inflamatório e os anti-agregantes plaquetários, prescritos para as pessoas que já tiveram infarto do coração, parecem atuar reduzindo a agressividade das lesões celulares da endometriose.

Não existe correlação comprovada entre a endometriose e arritmias ou insuficiência cardíaca.

Ahhh… as mulheres são especiais…

A boa prática médica não é tratar como iguais os que são diferentes.

A medicina vem percebendo as diferenças de gênero nas causas e nos riscos do infarto do coração, e um potencial mecanismo de doença distinto do infarto entre mulheres e homens, especialmente para aquelas mulheres em idade fértil.  O risco da endometriose para o infarto ainda deve ser mais bem esclarecido para que possamos cuidar das mulheres individualizadamente e de maneira personalizada. Afinal, as mulheres são mesmo especiais!!

European Heart Journal Open, oeac001, https://doi.org/10.1093/ehjopen/oeac001