A árdua tarefa de passar a mensagem
Dizer e comunicar é mais difícil do que você pode achar.
Enfrentamos diariamente na nossa profissão e no dia a dia essa dificuldade.
Quer seja explicando um tratamento para uma paciente ou pedindo uma tarefa para um funcionário, dando aula para a graduação ou recebendo orientações do seu chefe, nos deparamos com este conflito tão crucial: como passar a mensagem certa?
Comunicação é uma palavra derivada do termo latino “communicare”, que significa “partilhar, participar algo, tornar comum”. … O processo de comunicação consiste na transmissão de informação entre um emissor e um receptor que decodifica (interpreta) uma determinada mensagem.
Dizer e comunicar nunca foi tão complicado
Em pleno século 21 observamos como está cada vez mais difícil se fazer entender pelos outros de maneira clara, correta e verdadeira.
Comunicação sempre implica, em primeiro lugar, que haja bagagem cultural e cognitiva para que a mensagem se faça entender. Interpretação é tudo.
Os passos básicos da comunicação são:
- as motivações ou a intenção de comunicar
- a composição da mensagem
- a codificação e transmissão das mensagens codificadas
- a recepção dos sinais
- a decodificação
- e …a interpretação da mensagem por parte do receptor
O processo da comunicação se define pela tecnologia da comunicação, as características dos emissores e receptores da informação, seus códigos culturais de referência, seus protocolos de comunicação e o alcance do processo”
(Castells, Manuel (2009). Comunicación y Poder. Madrid: Alianza Editorial)
“Ahhh… se houvesse um Dicionário para a Vida!”
Para começar, ambos os lados precisam falar a mesma língua!
OK, Falamos Português… Mas será que todo “português“ é igual?
Quantas vezes você se deparou com um brasileiro ou brasileira que fala com um sotaque tão difícil de entender quanto um idioma estrangeiro? E as gírias então! Como falar com alguém que usa um código secreto de sua própria criação ao qual você não tem acesso?
Comunicação é sobre palavras, sim, mas também é sobre intenção e significado
Desde a mais tenra idade aprendemos a falar com nossa voz, mas também com o olhar, com os gestos, com nossa expressão corporal, com o tom de voz.
Nesta era digital, observamos que as novas gerações, à medida que ganham capacidades virtuais, vão perdendo mais e mais as básicas capacidades de compreensão inter-pessoal, que são adquiridas no contato humano do dia-a-dia, olho no olho.
Reflito sempre que os meios digitais, da mesma forma como aproximam, distanciam.
Perdemos o gesto, a linguagem não falada do corpo… (sou de ascendência italiana, então fazer caras e bocas e falar com as mãos é uma segunda natureza), não enxergamos as nuances, o brilho no olhar, as pequenas dilatações das pupilas ao ter contato com o que é agradável. Perdemos o consolo imediato de poder esclarecer que não era isso que eu queria dizer, a mão no ombro, as justificativas, o abraço.
Como profissionais de saúde, sempre precisamos comunicar as mais variadas mensagens: qual o diagnóstico, como tomar tal medicamento, por que esse exame é necessário, como será a cirurgia, por que mudar este ou aquele hábito em nome de melhorar sua saúde, o que esperar do meu prognóstico… –“Doutora, vai doer?”
E frequentemente nossos pacientes não nos entendem tão bem quanto gostaríamos
No início da carreira é mais difícil, pois acreditamos que se dizemos algo correto e verdadeiro, com a melhor das intenções, os outros vão receber bem, aceitar, mas não é bem assim.
Já dizia Antígona (de Plutarco) : στέργει γὰρ οὐδεὶς ἄγγελον κακῶν ἐπῶν
Ninguém gosta do portador de más notícias“
Senta que lá vem história
Desde que o mundo é mundo os humanos contam histórias. Elas possuem muitas funções desde os primórdios. Naquela época a ausência da palavra escrita criava a necessidade de uma forma de perpetuação de conhecimento por meio da palavra falada mesmo.
Dessa forma fazia-se necessário passar a informação de forma que pudesse ser lembrada e reproduzida, conservando seu cerne, seu significado principal.
É a famosa ‘contação de história’ ou storytelling.
As histórias são formas de enviar as mensagens por meio de exemplos humanizados, com os quais o interlocutor se identifica.
Assim, vivenciando a história do outro, a pessoa entende por meio do exemplo e guarda melhor o conteúdo do que você quis transmitir.
Houve um sábio, há mais de 2.000 anos atrás, que usava essa poderosa ferramenta para ensinar seus discípulos por meio de parábolas, e parece que funcionava muito bem antes e funciona até hoje.
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Creio que é por isso que as pessoas gostam tanto dos emojis, eles trazem uma “carinha” para a conversa, humanizam e relativizam o discurso, ajudam a dar contexto numa situação em que a presença não está lá para mostrar a totalidade da sua intenção de comunicar.
Preenchendo os espaços entre quem ‘fala’ e quem ‘escuta’
Desvendar o mistério de como fazemos para diminuir os ruídos entre as mensagens e as pessoas é uma de nossas tarefas como seres humanos e educadoras.
Sabemos que quanto melhor a relação que temos com o interlocutor, melhor a qualidade da transmissão de informação.
Primeiramente porque, como já vimos, a pessoa que recebe a mensagem vai passá-la através dos seus filtros mentais: se eu gosto da pessoa, se confio nela, a mensagem deve ser boa para mim, então vou me esforçar mais para entender o significa.
Cada um tenta ler nas entrelinhas a intenção da pessoa ao te dizer isso ou aquilo.
Se as pessoas que estão tentando se comunicar têm um bom relacionamento, a boa vontade em entender e a condescendência com o conteúdo do discurso ajudam na compreensão.
Talvez por isso as mães sejam tão bem sucedidas em ensinar…driblam todo o abismo que é gerado entre gerações.
Também me faz pensar em todos os casais multiculturais que conhecemos, que muitas vezes nem falam o mesmo idioma, mas se compreendem pela linguagem universal do afeto.
A chave deve ser confiar no mensageiro, saber que o que está sendo passado é algo que precisamos saber. Isto nos faz querer absorver seu conteúdo e prestar atenção naquilo que está sendo transmitido pois damos importância àquilo.
Por este motivo é que a relação médico-paciente é a capacidade mais valiosa que desenvolvemos ao longo do tempo, em nossa prática diária de cuidar.
A mensagem que fica é: querer compreender ambos os lados numa conversação já é meio caminho na tarefa de comunicar-se, e confiança é um instrumento de comunicação que não deve ser menosprezado.