homem de pedra triste com a cabeça entre os joelhos

 

Luto, morte e vida. Vamos conversar sem medo? Por mais que a morte seja um destino inevitável, ela é um tema sofrido para a nossa sociedade.

 

mulher afrodescendente solitária perto da janela
Foto criada por Dragana_Gordic – www.freepik.com

“Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…”

Mario Quintana – Quando eu for…

 

O luto é o processo gerado pela morte de alguém amado. Assim, a dor da morte é a dor da separação.

O luto agudo é geralmente sofrido e provoca reações de estresse físico e emocional, mas não deve ser considerado um transtorno psíquico. Ao contrário, é uma resposta natural que inclui pensamentos, emoções, comportamentos e reações psicológicas, por exemplo: tristeza, raiva, ansiedade e culpa.

Os indivíduos adaptam-se à perda de maneira gradual e dependente de influências culturais e religiosas. Porém, a perda de alguém amado costuma ser uma das experiências mais dolorosas e estressantes ao longo da vida.

A adaptação à perda acontece progressivamente, com diminuição gradual do sofrimento em intensidade, frequência e duração. Entretanto, a dor não some completamente. Ao contrário: pode aumentar em datas festivas, como aniversários, ou em períodos de maior estresse. Enquanto o luto agudo é considerado uma reação natural à perda de alguém amado, o luto complicado é uma condição prolongada e incapacitante que necessita de ajuda especializada.

O luto exige redefinições de objetivos e de planos para o futuro: novas responsabilidades e novos papéis para assumir. Assim, fica mais fácil restaurar o sentido da vida e a satisfação em viver.

falta de peça de quebra cabeças com fundo azul
foto criada por freepik – www.freepik.com

Luto: a perda dos elos

Seres humanos são biologicamente motivados a formar elos, ou seja, relacionamentos seguros e próximos ao longo da vida. Estes elos significam ter um parceiro disponível, sensível, apto a se tornar um porto seguro para que o outro explore novos aprendizados, tenha novas experiências e novas oportunidades. Deste modo, as relações próximas e seguras influenciam a memória e o funcionamento individual.

Pessoas amadas contribuem para a sensação de identidade e de pertencimento. Portanto, quando alguém amado morre, sintomas agudos ocorrem geralmente acompanhados de uma sensação de desorganização interna. Pode haver dificuldade de atenção, perda de apetite, além de tristeza e choro pela memória da pessoa querida. À medida que o tempo passa, o relacionamento perdido é revisado e as lembranças tornam-se mais amenas e até felizes.

Além do tipo de relacionamento, outros fatores influenciam o luto:

  • a idade de quem morre
  • a presença de doença crônica ou terminal
  • a morte súbita ou inesperada.

Assim, crianças tendem a sentir mais a perda dos pais enquanto são pequenas. Pais sentem muito a perda dos filhos e esta perda pode, também, estar acompanhada de um sentimento de falha ou culpa no cuidar.

Sintomas do luto:

As pessoas em luto focam seus pensamentos e suas memórias na pessoa perdida com tristeza e melancolia. Ao longo do tempo, a dor e a tristeza alternam-se com lembranças felizes e pensamentos positivos. Assim, surgem a resiliência e a capacidade de superação.

Os enlutados podem sentir:

  • solidão
  • choro
  • tristeza, raiva, remorso, ansiedade
  • alteração do sono e do apetite
  • pensamentos recorrentes sobre a pessoa perdida
  • desinteresse, apatia
  • distanciamento social
  • choque, descrença, vazio
  • dificuldade na concentração e alterações de memória

Alguns indivíduos lidam melhor com a perda do que outros. Então, não existe um padrão: a trajetória da adaptação é errática e específica para cada perda, para cada indivíduo. O importante é sempre pedir ajuda se estiver sofrido demais.

Complicações do luto:

Pessoas enlutadas têm aumento de mortalidade e maior chance de desenvolver outras alterações clínicas, principalmente nos 6 primeiros meses.

Podem surgir sintomas físicos, por exemplo:

  • dor no peito
  • tontura
  • sintomas gastrointestinais
  • perda involuntária de peso
  • alterações do sono
  • dor de cabeça
  • aumento do consumo de álcool

Da mesma forma, o risco de infarto agudo do miocárdio aumenta no luto. Isto pode ser explicado em parte pela elevação da frequência cardíaca e pelo aumento da pressão arterial.

A Síndrome do Coração Partido ou Cardiomiopatia do Estresse:

A Síndrome do Coração Partido é caracterizada pela perda de contração de parte do músculo cardíaco, transitória, que mimetiza o infarto agudo do miocárdio. Porém, não há doença obstrutiva das coronárias, nem ruptura aguda de placa de gordura.

É muito mais comum em mulheres e ocorre predominantemente em adultos mais velhos ( idade média de 66,4 anos). Além disso, é frequentemente desencadeada por intenso e agudo estresse emocional ou físico.

Coração partido
Coração partido (imagem por Pixabay)

O luto, a covid-19 e o medo

Desde o seu início, a pandemia tornou constante o tema da morte, da doença e do medo.

O confronto diário entre saúde e doença obriga a refletir sobre vulnerabilidade e finitude. Afeta famílias, impõe isolamento social, traz ansiedade e apreensão.

A dor e o medo mudam a estratégia de vida, mudam a forma de enfrentar o cotidiano.

Ainda, as mortes pela covid-19 costumam ser abruptas e inesperadas. As internações são solitárias. A família, isolada. Assim, sentimentos de frustração, de raiva ou de culpa ficam mais frequentes.

Além disso, o risco da covid-19 muda também as despedidas. Afinal, são os rituais fúnebres que permitem expressar e concretizar a dor da perda. A privação do abraço, do amparo físico, da proximidade de pessoas unidas pelo amor e pela amizade, pode dificultar o processo de luto.

É preciso empatia, ouvidos e corações abertos para acolher, mesmo à distância, aqueles que sofrem a perda de alguém amado. É o apoio, mesmo virtual, que pode fazer a diferença.

Acolha. Conforte. Ajude. E busque ajuda sempre que precisar.

Conte com o seu médico.

Referências:

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Antonucci TC, Akiyama H, Takahashi K. Attachment and close relationships across the life span. Attach Hum Dev 2004; 6:353

Stroebe M, Schut H, Stroebe W. Outcomes of bereavement. Lancet 2007; 370:1960

Abe Y, Kondo M, Matsuoka R. et al. Assessment of clinical features in transient left ventricular apical ballooning. J Am Coll Cardiol 2003; 41:737

Templin C, Ghadri JR, Diekmann J, et al. Clinical Features and Outcomes of Takotsubo (Stress) Cardiomyopathy. N Engl J Med 2015; 373:929

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Mayland CR, et al. Supporting Adults Bereaved Through COVID-19: A rapid review of the impact of previous pandemics on grief and bereavement. J. Pain Symptom Manage. 2020