A Doença do Refluxo Gastroesofágico

É muito provável que você já tenha sentido azia, aquela queimação no peito devido ao ácido do estômago refluindo para o esôfago. Afinal, estima-se que no Brasil, 12% da população sofre de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Isso corresponde a cerca de 20 milhões de pessoas! É, provavelmente, uma das doenças mais prevalentes no mundo todo, e que compromete significativamente a qualidade de vida.

O refluxo ácido é extremamente frequente e acomete 20 milhões de brasileiros. (Foto: Tharakorn)

Para entender melhor, vamos observar o esôfago, que é um tubo oco, por onde passa a alimentação até chegar ao estômago. O esôfago tem pH 7,0 (neutro), já o estômago é um ambiente de pH 2,0 (bastante ácido). A porção inicial do estômago, bem na transição junto do esôfago chama-se cárdia. (Obs:“A cárdia do estômago” é uma palavra de gênero feminino segundo os dicionários, diferentemente do modo como a mídia tem usado). 

Quando o ácido do estômago reflui para o esôfago, provoca a sensação de queimação no peito ou na garganta. É o refluxo ácido, ou azia. E esse ácido pode refluir não somente para esôfago e faringe, mas também para as vias respiratórias.

esquema mostra esôfago, cárdia, estômago e o refluxo ácido
Transição entre porção final do esôfago e a cárdia do estômago, onde o ácido pode refluir e provocar inflamação.

Chamamos de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) quando os sintomas prejudicam a qualidade de vida. E as pessoas que sofrem de refluxo após a alimentação, com sintomas moderados ou graves pelo menos uma vez por semana, estão sob risco de desenvolver esofagite, esôfago de Barrett e câncer (adenocarcinoma) de esôfago ou da cárdia.

Quem pode sofrer de doença do refluxo gastroesofágico?

Os principais fatores de risco para a doença do refluxo gastroesofágico são:

  • obesidade
  • tabagismo
  • etilismo (consumo de álcool)
  • consumo de alimentos industrializados
  • sedentarismo
  • hérnia de hiato

No video abaixo, o Doutor Joaquim Prado explica um pouco mais sobre a doença do refluxo gastroesofágico:

A doença do refluxo gastroesofágico pode provocar câncer?

A doença do refluxo gastroesofágico pode ser considerada um fator de risco leve para o câncer de esôfago e da cárdia. A imensa maioria das pessoas com refluxo jamais desenvolverá câncer nessa região. Porém, o que ocorre é que o esôfago não possui proteção para a acidez contínua. É bem diferente do estômago, que tolera um pH bem reduzido. Quando o esôfago fica muito exposto ao ácido clorídrico, pode acontecer uma adaptação do tecido original para um padrão chamado “esôfago de Barrett”. E, às vezes, nessa adaptação, podem surgir células pré-cancerosas. E o esôfago de Barrett, este sim, é condição de risco para o câncer e precisa ser cuidado com atenção.

Quem está sob maior risco de ter câncer de esôfago ou de cárdia gástrico?

  • obesos
  • fumantes
  • quem consome álcool frequentemente
  • homens
  • idade acima de 55 anos
homem obeso fumando tem risco de refluxo e câncer do esôfago ou cardia
Fatores de risco para câncer de esôfago e cárdia incluem: obesidade, tabagismo em homens acima de 55 anos.

Quando procurar o médico por refluxo?

Quem sente queimação, azia, má digestão frequente e que chega a atrapalhar a sua qualidade de vida deve procurar o médico. E mais atenção ainda, se notar esses sinais de alerta:

  • Piora dos sintomas de azia ou má digestão
  • Dificuldade ou dor para engolir o alimento
  • Emagrecimento (sem ter feito dieta)
  • Perda de apetite
  • Tosse persistente
  • Vômitos com sangue
  • Rouquidão

Como se diagnostica o câncer do esôfago ou da cárdia?

O exame que detecta é a endoscopia digestiva alta. Ela permite, também, realizar biópsias, se houver alguma ferida. Outros exames, como radiografia contrastada do esôfago, estômago e duodeno ou tomografia podem fazer parte da investigação. O tratamento deve ser conduzido por um médico especialista.

endoscopia digestiva alta
A endoscopia digestiva alta é feita com aparelho com fibra ótica, que é introduzido pela boca e visualiza esôfago, estômago e duodeno. Permite também realizar biópsias.

Quem tem doença do refluxo gastroesofágico pode prevenir desenvolvimento do câncer?

Sim. É fundamental controlar o refluxo ácido, para prevenir o desenvolvimento de esôfago de Barrett e o câncer dessa região do esôfago e da cárdia. Medicamentos que bloqueiam ou neutralizam a acidez nessa região fazem parte do tratamento. Também pode ser considerada cirurgia para conter o refluxo. Mas, certamente, as medidas preventivas incluem:

  • controlar o peso
  • não se deitar antes de 2 horas após se alimentar
  • manter cabeceira elevada, de maneira que o tórax permaneça em nível acima do abdômen
  • parar de fumar
  • moderação no consumo de café e chocolate, que são ricos em cafeína
  • evitar ao máximo o consumo de álcool
  • evitar alimentos industrializados, consumir frutas e vegetais frescos
  • procurar comer com moderação

Você também pode se informar mais a respeito do câncer do esôfago no video abaixo:

Câncer de esôfago | Fatores de risco

Enfim, é interessante observar que, não por acaso, as medidas de cuidados para evitar o refluxo e o câncer de esôfago ou cárdia são quase as mesmas recomendações para a saúde como um todo!

Referências:

  1. Lindblad et al. Body mass, tobacco and alcohol and risk of esophageal, gastric cardia, and gastric non-cardia adenocarcinoma among men and women in a nested case-control study. Cancer Causes Control. 2005 Apr;16(3):285-94.  doi: 10.1007/s10552-004-3485-7.
  2. World Gastroenterology Organisation Global Guidelines DRGE Perspectiva mundial sobre a doença do refluxo gastroesofágico Atualizado em outubro de 2015 Equipe de revisão Richard Hunt 
  3. Mukaisho et al. Two distinct etiologies of gastric cardia adenocarcinoma: interactions among pH, Helicobacter pylori, and bile acids. Front Microbiol. 2015; 6: 412.
  4. Moraes Filho, J.; Domingues, G. Doença do Refluxo Gastroesofágico. In: ZARTEKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de Gastroenterologia: Da Graduação à Pós-Graduação. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2016. Cap. 39. p. 445-457.

Escrito por

Marta Deguti

Médica hepatologista, nipo-paulistana de nascimento e de coração, casada, mãe de dois filhos, de um cãozinho e de uma gatinha.