A poluição é um fator de risco para o infarto?

A poluição pode aumentar sua chance de infarto. Photo by Chris LeBoutillier from Pexels

A poluição pode causar infarto? Aqui no Panacea sempre alertamos que as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. Em 2019 foram quase 19 milhões de mortes em todo o globo! Mas, a medicina já conhece muito sobre o desenvolvimento dessas doenças e há como prevenir com mudanças do estilo de vida. De fato, a conscientização desses riscos tem promovido a redução de vários fatores como o tabagismo, a hipertensão arterial, o colesterol, a obesidade e o diabetes. Esse controle reduziu a mortalidade dessas doenças nos EUA em mais de 50% nos últimos 50 anos. Com o melhor controle sobre esses fatores, outro vem despontando como uma nova frente a ser combatida: a poluição!

Estima-se que a poluição cause diretamente mais de 9 milhões de mortes por ano, sendo que mais de 60% dessas sejam por causas cardiovasculares (infarto e AVC). Até agora, a prevenção estava muito orientada para atitudes individuais de comportamento e pouco enfoque nos estudos foi dado ao ambiente.

Mas está chegando o momento em que a medicina também precisa discutir assuntos globais como a energia limpa, o consumo de bens, o desmatamento, a poluição e o aquecimento global, porque na discussão de como a humanidade vai se organizar socialmente é que estarão os próximos passos para uma melhor saúde, aí se encontrarão os novos fatores de risco a serem controlados.

A Pandemia de coronavírus já esclareceu que o mundo está interconectado e que não existem barreiras geopolíticas para as doenças. A maneira como um país controla seus problemas de saúde interfere diretamente com a saúde dos outros países. Os líderes mundiais precisam atualizar seus conceitos, pois a saúde é um bem da humanidade. Em um futuro nem tão distante, não haverá saúde num país se o outro também não for minimamente saudável. Haveremos de encontrar soluções globais para energia e poluição, pois todos respiramos o mesmo ar, vivemos sob a mesma camada de ozônio na atmosfera, e estamos sujeitos às mesmas alterações climáticas.

Mas o que se sabe sobre a poluição do AR?

A poluição atmosférica é composta de uma mistura bastante complexa e variável, conforme o lugar estudado, variando com o tempo e o clima.  Inclui partículas de oxido de nitrogênio, dióxido sulfuroso, monóxido de carbono, e outras partículas como benzeno, tolueno, hidrocarbonos… Nas cidades, grande parte da poluição atmosférica vem da combustão de combustíveis fósseis, ou seja, do tráfego de carros, ônibus e caminhões.  Calcula-se que mais de 90% da população mundial more em lugares com poluição atmosférica.

O ar e o coração: o que seu coração respira

A poluição relacionada ao tráfego contém muitas partículas ultrafinas que são cardiotóxicas. Esse efeito é potencializado nas pessoas com mais idade, com doença cardiovascular ou pulmonar prévia ou imunossuprimidas. O aumento das partículas no ar aumenta o risco de infarto do coração e de AVC em até em 1% a cada elevação de 10 microgramas de material particulado por milímetro cúbico de ar. Esse risco cardiovascular é tanto maior conforme o tempo de exposição aumenta. A poluição atmosférica também se associa a maior risco de arritmias. Exposições curtas e prolongadas à poluição atmosférica estão associadas à elevação da pressão arterial por aumento progressivo do tônus arterial, aumento das placas de aterosclerose da carótida, aumento da calcificação das coronárias e da aorta abdominal. O ar poluído com particulado associa-se também a maior espessura do coração e a progressão de insuficiência renal, maior surgimento de diabetes tipo 2. Aparentemente a poluição constitui um fator aterogênico por manter o organismo num estado pró inflamatório.

A poluição: com o que você nutre seu coração

Outros poluentes: os metais

Metais como mercúrio, arsênico e cádmium são conhecidos há tempos como fatores de risco para o desenvolvimento de câncer e desordens comportamentais. Recentemente, também tem sido reconhecidos como novos fatores de risco para doenças cardiovasculares. São poluentes encontrados em alimentos contaminados.

O mercúrio vaporiza no processo de combustão do carvão. Precipita na atmosfera poluindo rios e oceanos e pode acabar concentrado em alimentos como peixes. Recentemente, os estudos têm mostrado cada vez mais indícios de que altas concentrações de mercúrio também predispõe a morte prematura por infarto do coração, aumento de pressão e AVC.

O arsênico também acelera a oxidação e tem efeito inflamatório, se associando a aceleração do desenvolvimento de placas de gordura nas coronárias e com maior índice de infarto.

A poluição química e seu coração.

A praticidade dos plásticos tem seus riscos. Foto criada por freepik – www.freepik.com

O conforto da vida moderna e a contaminação por plástico.

Os plásticos e derivados do petróleo também apresentam risco à saúde. Foto por Tom Fisk de Pexels

Poluentes Químicos e Derivados do Petróleo

Ao menos 3 classes de poluentes químicos são bem identificadas como fatores de risco à doenças cardiovasculares: os halogenados, substâncias perfluoroalcalinas (PFAS) e partículas plásticas.

Os PFAS eram muito usados em repelentes. Esses elementos são lipofílicos (se misturam ao meio oleoso, ultrapassam membranas celulares), bioacumulativos, muito persistentes no meio ambiente. A convecção de Estocolmo em 2001 baniu o uso industrial dessas substâncias, mas ainda hoje são abundantes no meio.

As substâncias halogenadas associam-se à dislipidemia, ao aumento do colesterol, à obesidade, à resistência à insulina.

O plástico é abundante no uso de produtos para cuidados pessoais, preservação de alimentos, de fármacos. São disruptores do sistema endócrino e se associam a maior risco de diabetes e obesidade. Muitos produtos hoje vêm com a marca BPA-free, para indicar que não usam essas partículas em sua composição.

Interação complexa.

Os mecanismos pelos quais esses poluentes causam danos à saúde ainda são pouco conhecidos, possivelmente por diversas vias para exercer seu efeito cardiotóxico. Acredita-se que provoquem inflamação e reflexos arco-neurais com liberação de citocinas, ativação do sistema imune, liberação de vias de estresse oxidativo, mantendo o organismo num estado pró inflamatório crônico. A ativação do sistema autonômico neural também pode estar implicada elevando a rigidez dos vasos sanguíneos.

E agora?

Reconhecer o problema da poluição para a saúde: primeiro passo

Temos que reconhecer que a poluição é um fator de risco ao infarto e AVC, mas que SIM pode ser minimizado!

O que fazer?

Podemos fazer algumas pequenas atitudes como indivíduos para nos protegermos da poluição:

  • Em ambientes de trabalho conhecidamente poluídos devemos nos proteger com EPIs, com máscaras por exemplo, pois não devemos esquecer que os efeitos sobre a saúde são acumulativos.
  • Podemos nos educar para um consumo mais consciente de produtos que poluam menos na sua fabricação.
  • Podemos estar atentos à nossos governos para criarmos novas matrizes energéticas renováveis e limpas.

Posso praticar esportes em cidades com alto grau de poluição atmosférica?

Algumas cidades sofrem com poluição atmosférica, em especial, quando há também fenômenos climáticos de inversão térmica. A atividade física altera o padrão respiratório aumentando a inalação de poluentes. A taxa de poluentes inalados é um produto da concentração destes no ar, da frequência respiratória e do volume de ar inalado.

O efeito benéfico do exercício sobre a saúde estaria reduzido quando praticado em área muito poluídas?

 Sim, os estudos mostram que a prática de esportes tem seus efeitos benéficos reduzidos tanto para o metabolismo cardiovascular quanto para o risco de asma quando realizada em área muito poluídas.

Será que é bom praticar esportes em locais poluídos? Foto por Direct Media no StockSnap

No entanto, o efeito positivo do esporte físico regular e persistente ainda assim é maior que os potenciais riscos da poluição atmosférica. Mesmo com efeitos acumulativos a uma exposição alta de poluentes, como em cidades como Hong Kong e São Paulo, há redução da mortalidade no grupo de pessoas que pratica esportes. Pessoas com doenças cardiovasculares estabelecidas, asma ou doenças pulmonares devem evitar o esporte nos dias e nas áreas mais poluídas da cidade.

De modo geral, as evidências são de que a atividade esportiva é sempre benéfica, mesmo quando realizada em áreas poluídas, mesmo que nestes casos, seu benefício seja menor do que comparado aos benefícios obtidos em lugares não poluídos.

1- The Stockholm Convention on

Persistent Organic Pollutants. United

Nations. May 22, 2001

2- N Engl J Med 2021;385:1881-92.

DOI: 10.1056/NEJMra2030281

3-Environ Int. 2021 Feb; 147: 105954.

doi: 10.1016/j.envint.2020.105954