acumuladores: caos e quebra cabeça

 

Acumuladores

Ano novo, esperança, hora de arrumar a casa! Aqueles dias de separar tudo o que não é mais usado e pode ter um destino melhor do que embolorar no guarda roupa ou no depósito nem sempre faz parte da vida de algumas pessoas É normal a gente se desorganizar um pouco e guardar coisa em excesso, ou talvez até cultural a ideia no não desperdício e upcycling, mas algumas pessoas acabam ultrapassando estes limites e podem ter prejuízos em suas vidas ou nas de pessoas com quem convivem.

Algumas pessoas têm mais bagunça do que outras, ou têm dificuldade para lembrar de jogar fora os recibos e pacotes, até que haja uma quantidade grande. Embora seja um indicador de que algo possa estar acontecendo, isso não  torna essas pessoas necessariamente em “acumuladores”.

Acumuladores:  é  muito mais  complexo do que ser um pouco confuso.

O acúmulo é considerado um problema  se a quantidade de desordem interfere na vida cotidiana. Por exemplo, a pessoa não consegue usar sua cozinha, seu quarto  ou não pode acessar determinado cômodo. É o famoso “quarto da bagunça” que muitas vezes se espraia por toda a casa.

A bagunça excessiva causa sofrimento e afeta negativamente a qualidade de vida da pessoa ou de sua família. A manutenção da casa pode ficar impossibilitada pela dificuldade de acesso. As visitas e toda a vida social é suspensa para evitar exposição da desordem por vergonha. Em alguns casos mais graves, pode haver riscos sanitários, de incêndio ou mesmo de desabamento envolvidos.

A tentativa de limpeza ou organização por terceiros que querem ajudar  provoca  profundo incomodo e muitas vezes  reações intempestivas e de extrema irritação. É incontrolável e muitas vezes incompreensível para os que convivem.

E se eu precisar disso um dia?

Há fortes crenças relacionadas a adquirir e descartar coisas, como: “Posso precisar disso algum dia” ou “Se eu comprar isso, vou me ficar mais feliz”.  As tentativas de descartar coisas muitas vezes trazem à tona emoções muito fortes, avassaladoras, de modo que a pessoa tende a adiar ou evitar tomar decisões sobre o que pode ser descartado. 

Constantemente muitas das coisas mantidas têm baixo ou nenhum valor monetário e podem ser o que a maioria das pessoas consideram lixo. Os motivos  não são óbvios para outras pessoas, mas passam  por motivos sentimentais ou por achar que os objetos parecem bonitos ou úteis. Este olhar diferente, de ver o belo, ou até criativo, de imaginar o que pode ser feito é uma benção e uma maldição.  A maioria das pessoas com transtorno de acumulação tem um apego emocional muito forte aos objetos e quase nunca conseguem dar vida aos seus projetos artísticos futuros com os seus pertences pela desorganização e excesso, característicos do problema.

Itens comuns entre acumuladores:

  • jornais e revistas
  • contas, recibos e papéis diversos
  • roupas e acessórios
  • folhetos e propagandas
  • embalagens, sacos e sacolas, caixas de papelão, potes vazios de alimentos, garrafas
  • eletrodomésticos e aparelhos que um dia vão ser consertados

Algumas pessoas também acumulam animais, dos quais podem não ser capazes de cuidar adequadamente, provocando vários problemas, dentre eles, sanitários e de  maus tratos dos animais, ainda que não intencional.

Mais recentemente, o acúmulo de dados se tornou mais comum, com armazenamento de grandes quantidades de dados eletrônicos, fotos  e e-mails não excluídos.

Estima-se que  2%-6% da população apresente o Transtorno de  Acumulação, em maior ou menor grau, com  faixa etária mais comum a partir dos 55 anos.

A  dificuldade de se desfazer  é constantemente acompanhada por excesso de aquisições de itens desnecessários ou para os quais não há espaço disponível, através de compras ou mesmo coleta de material gratuitos como folhetos, doações a inclusive objetos encontrados na rua.

A presença de outros transtornos psiquiátricos  é bastante frequente, com cerca de metade das pessoas  com um Transtorno de Humor associado e 20% com Transtorno Obsessivo Compulsivo entre outros.

Entretanto o Transtorno de Acumulação  deve ser diferenciado de outras condições médicas como algumas lesões neurológicas e síndromes demenciais, falta de energia decorrente de quadros depressivos para manter a casa em ordem,  delírios em transtornos psicóticos ou mesmo alguns aspectos do espectro autista.

Parecido mas não é: colecionadores e acumuladores

Colecionismo é diferente de acumular?

Sim. Um colecionador verdadeiro tem seus itens arrumados e mantidos em condições adequadas de preservação, motivo muitas vezes de orgulho.

Ao contrário, nos acúmulos desordenados, os objetos podem até possuir algum valor colecionável ou comercial, mas estão mergulhados no mais absoluto caos, constantemente inacessíveis,

” soterrados” em meio a tantas outras coisas.

Mottainai e a cultura do não desperdício

Como descendente de japoneses, cresci na cultura do não desperdício tão arraigado na nossa cultura.

Embora haja acumuladores orientais, o Mottainai é bastante diferente. Seus objetivos são evitar desperdiçar material,  tempo ou esforço; planejar cada passo para ser benéfico a você e aos que o cercam; utilizar um recurso por todo o tempo possível de sua vida útil. Mas é também adquirir apenas  o necessário.

Por esta ótica, não há acumulo grande e desordenado, mas sim uma forma de economia circular, sem desperdícios e com respeito ao que e como foi produzido cada elemento adquirido.

 

Voltando aos acumuladores, o que fazer para ajudar ?

Há muitos estudos em andamento, mas por enquanto o que temos de mais concreto é o uso de terapia cognitivo comportamental e atuação de acompanhantes terapêuticos treinados.

Tratar as doenças associadas é importante e eventualmente pode auxiliar com alguns sintomas, mas não há um consenso sobre as medicações especificas para o Transtorno de Acumulação  ainda.

É um trabalho longo e envolve não só a pessoa afetada como também familiares ou amigos. Vale a pena começar, mesmo que não consiga resolver tudo de uma vez, qualquer melhora pode ter grande impacto na qualidade de vida.

Publicaremos uma lista de instituições que buscam objetos e doações e que dão um sentido ao “desapego” além de outras sugestões para itens que podem ser reutilizados ou devidamente encaminhados. Também nas referências há um aplicativo desenvolvido para classificar o nível de desordem através de fotos.

 

 

 

Referências:

American Psychiatric Association, 2013. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5, 5th Edition. American Psychiatric Association, Arlington, VA.

www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/vigilancia_em_saude/index.php?p=244572

apps.apple.com/us/app/clutter-image-rating/id981642952

www.nhs.uk/mental-health/conditions/hoarding-disorder/

www.japaoemfoco.com/mottainai-a-filosofia-do-desperdicio-no-japao/