“…Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. (…) E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?…”
Por que soluçamos?
Todo mundo já teve uma crise de soluços, principalmente quando criança.
Soluços são contrações involuntárias do diafragma, o músculo que separa o tórax do abdômen e que determina a respiração. Cada vez que o diafragma se contrai abruptamente, provoca o fechamento das cordas vocais, o que acaba produzindo aquele som característico.
Alguns cientistas acreditam que os soluços sejam resquício da nossa evolução, que remetem a tempos em que anfíbios adultos desenvolveram pulmões e passaram a separar o ar da água inalada. Outros defendem que sejam uma vantagem exclusiva dos mamíferos, um mecanismo que se instala na vida intrauterina, é frequente na infância e vai desaparecendo com o amadurecimento. Teriam a função de proteger o bebê de aspirar leite para os pulmões. De todo jeito, os soluços fazem-nos refletir como os sistemas digestivo, respiratório e nervoso estão interligados e precisam trabalhar de maneira orquestrada.
O vídeo do TED Ed ilustra essas e outras curiosidades sobre o soluço.
(As legendas em português podem ser ativadas no menu de opções no rodapé do vídeo.)
Soluços podem ser coisa séria?
Na maioria dos casos, os soluços resolvem-se espontaneamente. Mas, às vezes, podem durar dias, meses e até anos, e comprometem a qualidade de vida. Atrapalham na alimentação, no sono, na fala. Mais sério é quando lesionam os alvéolos dos pulmões frágeis de idosos e ou fumantes. Ou, ainda, se chegam a comprometer a cicatrização das cirurgias abdominais, por exemplo.
O Livro de Recordes Guinness registra como tendo sido de 68 anos o maior tempo de duração de uma crise de soluços!
Quais são as causas de soluços?
- Ingestão rápida de uma grande quantidade de alimentos, especialmente se forem muito condimentados, apimentados
- Ingestão rápida de bebidas alcoólicas ou gaseificadas (refrigerantes)
- Respiração intensa ou acelerada como nas situações de fortes emoções
- Alterações súbitas de temperatura
- Deglutição de ar, por exemplo, mascando chicletes
- Lesões nos nervos do músculo diafragma (nervo vago ou frênico)
- Tumores no pescoço
- Laringites, faringites
- Doença do refluxo gastroesofágico (possível, mas não comprovado)
- Doenças do Sistema Nervoso Central como tumores cerebrais, meningites, encefalites, AVC, esclerose múltipla
- Medicamentos anestésicos, corticóides, barbitúricos
- Alcoolismo
- Insuficiência renal crônica
- Infecções, particularmente pericardite
- Distúrbios de eletrólitos como potássio, magnésio ou cálcio
- Diabetes mellitus
- Pós-operatórios
Obstrução intestinal causa soluços?
Não é uma associação típica. Nos livros de Medicina, os sintomas clássicos são dor abdominal, náuseas e vômitos com odor de fezes, inchaço na barriga, parada de eliminação de gases e fezes. Mas é possível haver soluços com a irritação provocada tanto pela estase e refluxo de líquido no estômago, bem como pelas alterações que acontecem no organismo e na flora bacteriana, quando o intestino está em sofrimento.
Quem tem maior risco de ter soluços prolongados?
- Homens
- Pessoas com ansiedade ou em situação de estresse
- Pessoas que foram anestesiadas e passaram por cirurgia abdominal
É verdade que tomar um susto cura os soluços?
Não há comprovação científica que tomar susto realmente cure os soluços.
Mas a tradição popular ensina diversas manobras “infalíveis” (além de tomar um susto):
- beber vários goles pequenos de água fria
- beber água e ficar com a cabeça abaixada
- prender a respiração por alguns segundos
- respirar dentro de um saco de papel
- comer açúcar granulado ou uma colher de mel.
O fato é que quase todos os casos cessam sem maiores problemas.
Quando devemos procurar ajuda médica?
Deve-se procurar atendimento médico quando os soluços
- persistem além de 48 horas (dois dias);
- comprometem a alimentação, sono e respiração;
- ocorrem com sintomas como dor abdominal, febre ou indisposição.
Concluindo…
Soluços são bastante comuns, e são considerados praticamente naturais na infância. Geralmente resolvem-se espontaneamente, com ou sem as tradicionais medidas caseiras. Porém, é importante estarmos atentos a situações que extrapolam um padrão “normal” ou aceitável.
Soluços persistentes subtraem qualidade de vida, e podem sinalizar doenças não diagnosticadas. Por isso, devem ser investigados e tratados.
Bibliografia:
- Kohse EK, Hollmann MW, Bardenheuer HJ, Kessler J. Chronic Hiccups: An Underestimated Problem. Anesth Analg. 2017 Oct;125(4):1169-1183.
- https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/hiccups/symptoms-causes/syc-20352613?p=1
- Tratado de Gastroenterologia – da graduação à Pós-Graduação. Editores Zaterka S & Eisig JN. São Paulo Editora Atheneu; 2011 ISBN 9788538801702
- Cecil Essentials of Medicine 2021. Wing EJ & Schiffman FJ. Philadelphia, PA. Elsevier; 2022. ISBN 0323722717
- Soluços: o que está por trás? Deguti MM. Política, Blogs, Fausto Macedo. Estadão 17/07/2021.