respirar pelo nariz

Então o SENHOR modelou o ser humano do pó da terra, feito argila, e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.

Gênesis 2:7.

E faz diferença a forma de respirar? Bem, respirar é uma das funções fisiológicas principais. Tão comum que nos passa despercebida no dia a dia. Respirar é automático. Mas basta um resfriado. O nariz obstrui e percebemos nossa forma de respirar.

Por outro lado a obstrução nasal pode se aparecer paulatinamente e a respiração pela boca vai se instalando e trazendo uma série de repercussões para nossa saúde.

Há uma adaptação para respirar pela boca?

Entre os mamíferos, os seres humanos são os únicos capazes de se adaptar à respiração oral. Com a transição dos primatas para o Homo erectus, ganhamos nosso andar bípede, o cérebro cresceu e a cavidade nasal diminuiu, ficando mais propensa a obstruir frente a um grande número de doenças.

Nesta transição também o homem aprendeu a cozinhar, facilitando a mastigação dos alimentos e requerendo menos força muscular na mastigação. A posição mais  baixa da laringe proporcionou a fala  e ainda nos permitiu ter uma faringe mais longa, com músculos mais flácidos que favorecem a vibração, entonação e formação dos fonemas.

E assim, mais tarde, o Homo sapiens com um nariz menor, um cérebro maior, andar bípede  e a coordenação em pinça das mãos os humanos dominaram o mundo.

Ah, mas isso é uma evolução!  Apesar disso, contribuiu para respirar pela boca e suas nefastas consequências.

Por que respirar pela boca é ruim?

Todos sabemos que o oxigênio é retirado do ar que respiramos e esta troca se dá nos alvéolos pulmonares. Entretanto, muito antes de chegar aí, o ar deve passar pelo nariz. Neste, será aquecido, umidificado, filtrado e deste forma haverá o melhor aproveitamento do oxigênio nos pulmões. O que não acontece quando se respira pela boca. Em algumas situações, por exemplo com o ar muito frio, os brônquios podem reduzir seu diâmetro, impedindo que o ar chegue aos alvéolos.

Ar seco, não filtrado, freio entra pela boca, seca a boca, irrita a garganta  e os pulmões, cerca de 17 a 23 mil vezes ao dia, ou seja a cada inspiração.

E este é apenas o começo das consequências de respirar pela boca.

O que leva a obstrução nasal?

Muitas condições podem obstruir o nariz. Dentre as mais comuns temos as rinites. Que pode ser alérgica (predisposição genética), irritativa (como por gases ou partículas poluentes), rinites infecciosas como resfriados/viroses respiratórias ou sinusites. Há ainda problemas anatômicos como desvio do septo em adultos e aumento da adenoide em crianças. E outros raros, má-formações, tumores, etc.

Quais as repercussões de respirar pela boca?

A postura muda para facilitar respirar pela boca. A cabeça projeta-se para frente, a mandíbula desce, a barriga protrui, há aumento da lordose lombar. O quadro é ainda pior em crianças afetando todo o desenvolvimento postural.
Em pé, tampe seu nariz com um clips ou mesmo com os dedos por alguns segundos e logo você perceberá que seu corpo vai se acomodar como descrito acima.

Ao abrir a boca a mandíbula se posiciona para trás e assim adaptam-se os músculos e consequentemente interferem também na dentição expondo-se muito mais os dentes incisivos. Na criança em desenvolvimento esta é a principal causa de alterações da oclusão dentária, ou seja os dentes ficam tortos!

A presença da obstrução nasal e a consequente respiração oral de suplência favores as infeções bacterianas, sinusites, amigdalites e otites de forma muito mais impactante ainda nas crianças.

E o sono? Muitas implicações.

Dormir de nariz obstruído é muito desconfortável! Você já passou por isso?

Muitos podem pensar que roncar é normal, por ser comum. Mas apresenta riscos para saúde.

Este ruído vem da vibração dos músculos da faringe, frente a obstrução nasal e podem culminar com a apneia do sono. Tanto em adultos quanto em crianças.

Em adultos pode resultar em aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, diabetes, aumento do peso. E ainda sonolência diurna, dificuldades com a memória e até depressão. Em crianças, que estão em desenvolvimento afeta o crescimento, a memória, podendo afetar o aprendizado, agitação diurna e até confundir com hiperatividade,

Tudo ocorre pois na dificuldade respiratória, há redução do nível de oxigênio no sangue e alteração das fases do sono, principalmente o sono REM. A fase recuperadora.

Imaginem noites e noites mal dormidas!

A simples crise de rinite alérgica altera o sono REM com suas consequências ao longo do dia.

E atividade física?

Não espere um bom rendimento em exercícios de estiver respirando pela boca. Para uma atividade anaeróbica, como um tiro de 100 m, talvez não faça tanta diferença se você não for um atleta de alto rendimento, mas correr uma maratona, impossível. Mesmo que se pretenda fazê-la em 5 horas! Para atividades aeróbicas, necessita-se de oxigênio e claro quanto mais melhor!  E como já dito acima, melhor se respirando pelo nariz.

Respiração pela boca. O que fazer?

Antes de mais nada o diagnóstico da causa da obstrução nasal e assim, seu médico poderá orientá-lo de como tratar. Podem ser necessários, principalmente em crianças a complementação terapêutica com o ortodontista para melhora da oclusão dentária e do fonoaudiólogo, para reabilitar as funções da musculatura da boca e da face.

A importância da respiração não se traduz apenas no trecho bíblico citado acima, da cultura judaico cristã, mas transcende a outras religiões e culturas como o Budismo, a Medicina Chinesa, Yoga, Ayurveda. Os últimos cultuam a importância da respiração nasal durante práticas de meditação e exercícios.


Seja feliz, respire pelo nariz!

 

 

Referências:

https://www.webmd.com/oral-health/mouth-breathing
Nestor J. Breath: a new science of a lost art. 2020
Di Francesco RC, Alvarez J. Allergic rhinitis affects the duration of rapid eye movement sleep in children with sleep-disordered breathing without sleep apnea. Int Forum Allergy Rhinol.  2016;6:465–471
Suzuki M, Tanuma T (2020) The effect ofnasal and oral breathing on airway collapsibility in patients with obstructive sleep apnea: Computational fluid dynamics analyses. PLoS ONE 15(4): e0231262.

Escrito por

Renata Di Francesco

Graduada em Medicina em 1993 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e especializada em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da FMUSP. Doutorado em 2001 e o título de Professora Livre-Docente foi obtido em 2010.
No dia a dia dedica, no consultório privado o cuidado com pacientes e familiares.
Ainda no Hospital das Clínicas da FMUSP, hoje, coordena o Estágio em Otorrinolaringologia Pediátrica.
Outros desafios:
Diretora da Educação Médica Continuada da ABORLCCF (2012-2014)
Presidente da Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica (2015-2016)
Diretora Secretária da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia (2015),
Diretora do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo-SPSP (2016-2019)
Coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento e Aprendizagem da SPSP (desde 2019)
Diretora do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade Brasileira de Pediatria -SBP (desde 2019).