tinta vermelha, endometriose

A Endometriose é uma doença muito frequente.  Em toda a população feminina em idade reprodutiva em torno de 15% das mulheres sofrem dessa doença, em suas diversas apresentações.

No Brasil são possivelmente mais de 7,2 milhões de mulheres que sofrem desse mal. No mundo, mais de 190 milhões de mulheres.

infográfico mostrando endometriose peritonial

A endometriose se mostra em  3 tipos principais:

-doença peritoneal superficial (placas, nódulos, retração e aderências)

-endometriose infiltrativa profunda

-endometriomas ovarianos (cistos chocolate nos ovários)

A Endometriose consiste numa das causas mais frequentes de dor pélvica  e infertilidade.

As causas das lesões endometrióticas  são até hoje investigadas, sem que se tenha conseguido uma única explicação definitiva.

Teoria da menstruação retrógrada

É uma das teorias mais aceitas.

Segundo seus idealizadores o as células do endométrio  que se desprendem das paredes internas do útero durante a menstruação se exteriorizam em parte através das Trompas de Falópio (ou tubas uterinas).

Sendo assim tais células caem sobre o peritônio da cavidade abdominal pélvica onde conseguem se desenvolver por um conjunto de condições imunológicas presentes nestas mulheres.

Em especial o que se considera é que estas pacientes sofrem de uma falha que impede seu organismo de entender que aquelas células do endométrio estão em lugar errado e deveriam ser destruídas. Ainda mais, seus tecidos permitem então que estas células endometriais de fixem e se desenvolvam fora de seu local apropriado, dando origem às lesões de endometriose.

Existem pesquisadores que cogitam até que este fenômeno pode se iniciar ainda nas bebês, pois algumas meninas recém nascidas podem manifestar um sangramento semelhante ao menstrual nos primeiros dias de vida.

O seu endométrio é  estimulado pelos hormônios placentários no período intrauterino, prolifera e se torna semelhante àquele de uma mulher adulta.

Já nascidas, sem os aporte destes hormônios que vinham da placenta, algumas delas apresentam um sangramento semelhante a uma menstruação.

Isto ocorre em 5-8% das recém nascidas do sexo feminino.

Este sangramento tende a acontecer do 7º ao 10º dia pós parto, dura em torno de 1 a 3 dias, é de pequena quantidade e é auto-limitado.

Entretanto alguns pesquisadores acreditam que mesmo esta mínima quantidade de sangue misturado com células endometriais que consegue chegar a cavidade peritonial através das trompas das bebês pode ser a semente de uma futura Endometriose, se manifestando a partir da puberdade.

mulheres de três gerações da mesma famíliaA Endometriose é uma doença hormônio-dependente com herança genética.

Nyholt et al.

O difícil caminho até o diagnóstico

Apesar de muito falada até nas mídias sociais, milhões de mulheres em todo o mundo ainda enfrentam dificuldades até chegar a um diagnóstico adequado.

Os primeiros sintomas tendem a surgir na adolescência, porém o diagnóstico tende a ser feito apenas em torno dos 30 anos de idade.

Sabemos que não existe nenhum exame de sangue suficientemente confiável para fechar a questão.

Os sintomas tendem a ser subestimados como “cólicas menstruais fortes” e tratados  com métodos caseiros por muito tempo (na média mais de 10 anos) antes que a paciente busque ajuda profissional.

Os métodos de imagem, ainda que sejam nossa melhor aposta, também possuem suas dificuldades.

  A ultrassonografia costuma ter boa sensibilidade para endometriomas _em torno de 80-85%_ mas trata-se de um método completamente ‘operador-dependente’. Assim sendo, depende da expertise do médico em conhecer e saber detectar a patologia em questão.

Sabemos que para Endometriose infiltrativa profunda a sensibilidade da ultrassonografia tende a cair para 55- 60%, mesmo que o especialista execute a ultrassonografia com preparo intestinal e collordoppler via transvaginal e combinada…

mulher na rssonanciaA Ressonância Nuclear Magnética de alta resolução com contraste urinário, vaginal e retal hoje é o método de excelência para o melhor diagnóstico por imagem.

Para auxiliar o diagnóstico, podemos utilizar exames de sangue chamados marcadores tumorais.  No caso das pacientes com Endometriose, o marcador mais utilizado é o CA125.

Esse teste mostra valores alterados em diversas condições de saúde feminina  como mimosas uterinos, doença inflamatória pélvica e peritonial,  tumores benignos e malignos em ovários, menstruação e outros, portanto ele  não é feito para fazer diagnóstico. Seus valores e comportamento na linha do tempo podem ser usado pelo especialista para compor o conjunto de dados que vai levar a suspeita diagnóstica.

Atualmente a Endometriose é considerada uma doença sistêmica inflamatória crônica que afeta o metabolismo do fígado  e tecido gorduroso, com elevação de marcadores inflamatório.

Videolaparoscopia

A Laparoscopia ou cirurgia por Vídeo pode exercer a dupla função de DIAGNÓSTICO e TRATAMENTO.

A única forma de fazer diagnóstico de certeza da doença e sua extensão apenas pode ser atingido através da Videolaparoscopia com biópsias das lesões suspeitas.

A análise ANATOMOPATOLÓGICA dos fragmentos de tecido obtidos desta forma traz a oportunidade de avaliar as células que compõe as lesões para termos certeza que não há malignidade ou outros problemas,

Também na oportunidade da cirurgia é possível avaliar com precisão a extensão da doença na cavidade e as deformidades causadas por ela.

Além de tudo isso, o procedimento pode remover todas as lesões diagnosticadas e corrigir as deformidades encontradas de forma a restabelecer a anatomia dos órgãos pélvicos e também sua função.

Então, numa mesma oportunidade, acontece o diagnóstico e o tratamento anatômico.

Fatores de risco para Endometriose

Mulheres cujas mães, irmãs ou tias sejam portadoras de Endometriose têm maior chance de desenvolver esta patologia.

Sabemos que os  focos de Endometriose respondem aos hormônios femininos.

Os Estrogênios estimulam seu crescimento e desenvolvimento.

As Progesteronas tendem a reduzir a atividade das células do endométrio e dos focos da doença também.

Mulheres que nunca engravidaram têm maior chance de desenvolver lesões, enquanto que mulheres que tiveram múltiplas gestações e amamentações tem menor chance.

Pessoas cuja primeira menstruação (ou menarca) aconteceu muito cedo também apresentam maior risco.

Portadoras de Síndrome de Ovários Policísticos podem ter uma chance aumentada de desenvolver a doença, enquanto que praticantes de atividades físicas intensas e frequentes tem menor chance.

Aquelas que apresentam ciclos menstruais abundante com sangramento aumentado  e maior duração em número de dias de sangramento também têm maior chance de evoluir com focos de endometriose.

Sintomas de Endometriose

dores abdominais em mulheres

Como se trata de uma afecção complexa, a gama possível de sintomas relacionados às múltiplas apresentações e locais possíveis de acometimento trazem uma enorme variedade de sintomas e sinais possíveis.

Os sintomas mais comuns são:

  • Cólicas menstruais intensas
  • Dor relacionada ao ato sexual (durante ou depois)
  • Dificuldade para engravidar (infertilidade) – 1/3 das pacientes
  • Dor ou dificuldade para evacuar que pode variar com o ciclo
  • Dor pélvica forte (mesmo não relacionada ao período menstrual)
  • Dor para urinar
  • Urina com sangue
  • Fadiga crônica
  • Dores nas pernas
  • Alterações de humor

Tratamentos

Além da cirurgia para eliminação dos focos de doença no abdome, existem outras modalidades de tratamentos que podem ser usados de forma isolada ou combinada para melhorar os sintomas (principalmente dor) e consequentemente a qualidade de vida das mulheres portadoras de Endometriose.

Contraceptivos Hormonais

Tratamentos hormonais combinados de Estrógeno e Progesterona (pílula, injetáveis, adesivos, anel vaginal…) são frequentemente utilizadas para bloquear a proliferação das células endometriais, mesmo nos focos ectópicos da endometriose, e são válidos para o tratamento dos sintomas de Endometriose. Estes medicamentos possuem a associação do benefício contraceptivo  (quando este é desejado) , são em geral de baixo custo e fácil acesso.

Medicações compostas exclusivamente por Progesteronas (pílulas orais, implantes subcutâneos, dispositivos intra-uterinos hormonais, injetáveis… ) possuem um efeito anti-inflamatório sobre o aparelho reprodutor  e causam atrofia  nos focos de tecido endometrial, mesmo ectópicos como os focos de endometriose também.

Análogos GnRH

São medicações potentes que bloqueiam a função do eixo hormonal do hipotálamo-hipófise-ovário. O efeito dessa medicação é um intenso bloqueio hormonal, semelhante a uma “menopausa química”, que inativa e atrofia todo o tecido endometrial, principalmente dos focos de doença endometriótica. Assim seus efeitos são controle de dor e bloqueio menstrual.

Entretanto as mulheres submetidas a este tipo de tratamento precisam lidar com os sintomas da privação de estrogênio nos demais tecidos saudáveis, que são semelhantes àqueles da mulher na menopausa natural: ondas de calor, vagina seca, pele seca, falta de libido, tonturas e zumbido, insônia e etc.

Tendem a ser medicações de alto custo e via de regra necessitam de administração injetável.

Anti-inflamatórios não hormonais

Os medicamentos anti-inflamatórios  atuam no bloqueio da produção das prostaglandinas, que são mediadores importantes da inflamação  e consequentemente da dor relacionada a endometriose

Inibidores da aromatase

Medicações como o Letrozol e o Anastrozol são efetivas na melhora dos sintomas de dor, melhorando a qualidade de vida das pacientes.

Moduladores de Receptor de Progesterona

Drogas como o Mifepristone  ou Ulipristal se mostraram eficazes na redução no volume excessivo  de sangramento menstrual  e tendem a melhorar a qualidade de vida das pacientes, assim como redução do tamanho das lesões e da dor.

Androgênios

A Gestrinona é uma droga sintética que foi desenvolvida na Europa na década de 80 especificamente para tratamento de Endometriose,pois seu maior efeito é bloquear os efeitos dos estrogênios nos tecidos, reduzindo assim os focos de endometriose e seus sintomas. Leia mais neste artigo.

 

“Mulheres portadoras de Endometriose são  mais propensas a desenvolver câncer em ovários, útero e cavidade pélvica, assim como doenças auto-imunes e inflamações crônicas e tembém doenças cardiovasculares

 

Saúde Mental da mulher com Endometriose

Sabemos que apenas o fato de apresentar dor crônica tem impacto negativo na qualidade de vida das portadoras. Estudos mostram que as mulheres afetadas apresentam maior tendência a desenvolver patologias psicológicas  como Depressão e Ansiedade, assim como distúrbios de adequação sexual.

É de grande importância que as paciente busquem, juntamente ao tratamento médico da condição clínica, a ajuda de profissionais de Psicologia e Psiquiatria, pois a Terapia é uma ferramenta importante de melhora.

Dieta e atividades físicas

Desta forma também  a busca de uma dieta anti-inflamatória, mais orgânica (livre de pesticidas), com redução de alimentos processados, carne vermelha, industrializados e de gorduras insaturadas tem relatos de contribuir para o controle dos sintomas.

Já o aumento do consumo de peixes (principalmente salmão e  atum)  e o incremento das atividades físicas, são  considerados fatores protetores e podem ser considerados recursos comportamentais para beneficiar o tratamento como um todo.

Estudos recentes mostram que mulheres praticantes de ioga apresentam melhores índices de controle dos sintomas dolorosos relacionados a doença. Através da prática de posições específicas e exercícios respiratórios assim como meditação, as mulheres incrementam suas habilidades  de controlar  e tolerar os sintomas .

Medicina complementar e alternativa

  • Osteopatia: técnica de manipulação osteomuscular com foco nas disfunções estruturais da musculatura e tecido conectivo(tendões, articulações, nervos e cartilagens) .Estudos europeus demonstraram desde   que as técnicas de osteopatia demonstraram uma taxa de melhora dos sintomas de dor e desconforto em até 80%
  • Acupuntura: técnica que utiliza a inserção de agulhas em pontos específicos de vias neuroendócrinas. Desde a liberação de analgésicos endógenos (opióides)  como através do estímulo a produção e liberação de hormônios anti-inflamatórios como o cortisol e ACTH e o estímulo a circulação sanguínea local, esta técnica milenar é promissora para tratamento da dor e costuma ser livre de efeitos colaterais .
  • TENS: técnica que utiliza aplicação de impulsos elétricos através da pele que estimulam os nervos  e aliviam a dor
  • Vitaminas: baixos níveis de Vit.D são descritos em 85% das  mulheres portadoras de Endometriose sintomática. Estudos então vêm propondo a suplementação dessa vitamina-hormônio como parte do esforço anti-inflamatório do tratamento da Endometriose, porém seus resultados ainda não foram possíveis de se comprovar.
  • Resveratrol: substância encontrada em uvas (vinho tinto) e algumas “berries”(frutinhas vermelhas) e castanhas, tem sido considerada por suas propriedades anti-angiogênicas, Anti-oxidantes e anti-inflamatórias, com resultados preliminares promissores e redução do tamanho de endometriomas.

    Cura?

    A Endometriose ainda não tem uma cura definitiva documentada.

    Por se tratar de uma doença sistêmica de fundo genético e imunológico, ainda não foi encontrada uma forma de reverter esta condição definitivamente. Mesmo mulheres na pós-menopausa podem apresentar persistência de lesões e sintomas.

    Consideramos como objetivos do tratamento:

    • Controle da dor
    • Correção da anatomia
    • Restabelecimento funcional (fertilidade, ciclos menstruais)

    Assim, com melhora da qualidade de vida e possibilidade de alcançar plenamente seus objetivos, as portadoras de Endometriose podem desfrutar plenamente seu dia-a-dia e suas relações pessoais, sem o estigma do sofrimento físico e psicológico da doença.

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Referências:

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