flores do campo

 

 

 

Pão folar

 

Pão folar português para Páscoa em tábua de madeira

 

Há exatamente um ano eu estava enlouquecida com gente doente na família, transtornada por  não conseguir deter a morte ou o sofrimento de pessoas queridas. Medo mesmo de nunca mais poder ver, falar, ouvir, sentir a presença.

Conseguimos e superamos um ano, um dia de cada vez. Mas a morte estava espreitando ali na esquina e pegou desprevenido quem a gente não esperava.

É, não tem lista nem ordem. A gente nunca sabe.

Só que agora, apesar de não poder juntar todo mundo, dá uma vontade doida de ver a família e os amigos, de compartilhar almoços, procurar a toalha de mesa mais colorida, enfeitar o vaso com flores, perfumar a casa com todos os temperos.

A casa feliz pode cheirar a bolo de mel, gefilte fish, conserva de pepino, ou então  feijoada, ou ainda  shoyu, hondashi ou wasabi. Muitas, muitas vezes cheira a carnes na churrasqueira enquanto amigos conversam.

Os cachorros com olfato aguçado pelas combinações culinárias nem sempre muito ortodoxas, esperam algum incauto derrubar um pedaço de qualquer coisa. Tem bouquet dos vinhos, perfume de flor de laranjeira na água, cerveja gelada.

Cabeça leve, comida quente e coração tranquilo.

A lembrança mais doce que tenho é do último aniversário com a jabuticabeira carregada. Meu pai puxando a cadeira para comer a sombra, eu e minha mãe rodeando a árvore por muito tempo, catando frutinhas e  conversando bobagens. Ninguém sequer imaginava o que estava por vir.

Lembrei  também da minha amiga Cida que cozinha tão bem e dos almoços memoráveis na sua casa. E lembrei do pão folar na Páscoa…

Então, eu que já me sentia vigiada pelo Google, me senti vigiada por seres divinos que  foram cochichar no ouvido  da minha amiga

e fizeram ela telefonar em seguida: posso mandar um pão folar no domingo para vocês?

E precisa pedir licença para fazer a gente feliz?

Acho que ela não tem ideia da cascata de sentimentos que evocou em mim.

Estamos todos vivos e aqui. E  com muita, muita saudades de vocês meus.amigos.*

jabuticabeira de casa
jabuticabeira de casa

*Este texto foi escrito há um ano atrás, em meio a pandemia, muita coisa aconteceu desde então. Hoje publico em homenagem a quem inesperadamente se foi e a quem está brigando com galhardia para ficar entre nós. E obviamente em homenagem a Cida, amiga e cozinheira de mão cheia que certamente vou encontrar nesta Páscoa!

 

para saber mais :

Definição: Massa de pão, enriquecida com ovos e azeite, recheada com carnes de porco.

É fabricado preferencialmente  na Páscoa

A lenda do pão folar

A lenda do pão folar é  muito antiga e começa com uma linda moça chamada Mariana e seus  dois pretendentes: um fidalgo e um lavrador. Não sabendo como fazer a escolha entre os dois, ela pede ajuda a Santa Catarina, porém antes de conseguir resolver a questão os dois homens se encontraram e iniciam uma luta corporal. Mariana aflita grita por Amaro, o nome do lavrador e com ele resolve se casar.

Entretanto, antes do casamento estava bastante apreensiva com o boato de que o fidalgo poderia vir tentar assassinar o noivo. Então, recorre novamente às preces a Santa Catarina, colhe flores e leva ao seu altar. Ao retornar para casa encontra um lindo pão enfeitado com flores ao redor. Pensando se tratar de um presente do fidalgo, foram agradecer, ela e o noivo. Mas ao se encontrarem, ele, o fidalgo, que lhes agradece pelo pão maravilhoso que havia encontrado em sua mesa. Com a paz restabelecida alegadamente por obra divina, a história se espalhou e até hoje se oferece pão folar na Páscoa e em casamentos.