ter ou não ter, eis a questão

mulher livre leve e solta

Ter ou não ter filhos não deveria ser um fardo, mas sim uma decisão madura de pessoas livres e soberanas sobre seus  corpos, seus destinos e suas liberdades.

mulher em contato com a natureza

Temos presenciado acontecimentos estranhos pelo mundo, no que diz respeito a relação da humanidade com os direitos individuais. Ao mesmo tempo em que estamos a cada dia comemorando novas conquistas femininas, somos chocados com eventos discrepantes e sem sentido, de puro retrocesso. Assim, a recente ‘exigência’  de algumas operadoras de saúde em que os maridos dêem seu consentimento formal para que suas parceiras possam usar um método contraceptivos de longa duração configura uma regressão  frente aos direitos individuais conquistados a tão duras penas por todas as mulheres.

Na Declaração dos Direitos Humanos

-artigo XII:

“Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem (leia-se ser humano!?!) tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” (1978, p. 7).”

A família moderna

familia jovem

“Ao longo da história, a concepção, o desejo de ter filhos e a noção de família sofreram significativas mudanças. Nas décadas de 1950 e 1960, ter filhos era considerado esperado na vida de todo adulto casado. As normas sociais dispunham que todo casal deveria ter filhos (Badinter, 2010; Rocha-Coutinho, 1994). Havia uma pressão muito grande para que todo casal conjugal se tornasse parental, nesse período, a parentalidade não era uma escolha (Maluf, 2012; Bardwick, 1981).”

O surgimento da pílula anticoncepcional nos anos 1960 e a maior eficácia dos métodos contraceptivos, possibilitaram a separação entre a sexualidade e a reprodução contribuindo para maior autonomia das mulheres e possibilitando alterações na concepção do projeto parental. Os avanços tecnológicos tornaram a contracepção segura e eficaz, o que acabou refletindo no número de filhos. Com isso, também se passou a questionar a possibilidade de ter ou não tê-los. Assim, a preferência histórica por famílias numerosas passou a dar lugar a um reduzido crescimento da população (Rocha-Coutinho, 2013; 2015).

Construindo uma vida

Deste modo, o projeto parental que era associado ao vínculo conjugal como destino, pôde tornar-se uma opção. A liberdade de escolha, fruto das diversas transformações sociais ocorridas ao longo do tempo, em especial, através do movimento feminista, o surgimento da pílula anticoncepcional e a inserção da mulher no mercado de trabalho permitiram o aparecimento de diversas formas de ser família na atualidade. Dentre as novas configurações familiares que se apresentam, observamos um índice elevado de casais que optam por não ter filhos (Rios e Gomes, 2009; Lima, 2013; Silva e Frizzo, 2014). Este tipo de configuração no Brasil já atingiu o percentual de 20% (IBGE, 2015).

A Constituição brasileira diz que:

“…cada cidadão tem direito de decidir, de forma livre, responsável e esclarecida, o número de filhos que quer ter e quando tê-los”

De acordo com a Lei 9.263/96, o Estado deve dar condições para que homens e mulheres tenham acesso a informações, meios, métodos e técnicas para a regulação da sua fecundidade. Planejamento familiar é o direito que os cidadãos têm de decidir, livre e responsavelmente, sobre o número de filhos e quando tê-los. É diferente do controle de natalidade, vetado por lei, em que o Estado define o número máximo de filhos para cada família. 

mulher livre leve e solta

Toda mulher tem direito de planejar sua natalidade

Segundo o relatório “Situação da População Mundial 2004”, da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 23 milhões de nascimentos não são planejados e 22 milhões de abortos são induzidos no mundo, a cada ano. No Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocorrem anualmente 1,4 milhão de abortos. O abortamento é a quarta causa de óbito materno no país. 

“A política de planejamento familiar vem sendo desenvolvida pelo Ministério da Saúde em parceria com estados, municípios e organizações da sociedade civil. O Sistema Único de Saúde (SUS) distribui preservativos e outros métodos contraceptivos. A laqueadura e as pílulas anticoncepcionais são as opções mais utilizadas pelas mulheres.

Para escolher a melhor maneira de evitar a gravidez, deve-se considerar o estado de saúde, os efeitos colaterais, o comportamento sexual, a segurança e o custo do método contraceptivo. O uso de preservativos também previne contra doenças sexualmente transmissíveis. “

Meu corpo minhas regras

soberania do corpo feminino

Isto posto, não há nenhuma dúvida sobre a soberania de cada indivíduo, mulher ou homem, sobre seu corpo.

Esse é um direito indiscutível e não  pode ser objeto de questionamento em qualquer  esfera, quanto mais por parte de operadoras de saúde coletiva. Tal direito de decisão se estende ao poder de escolher se a mulher deseja ou não uma gestação. Não importa se este desejo é exercido dentro ou fora de um relacionamento. 

Atualmente muitas pessoas vêm percebendo que a maternidade pode não ser algo que caiba em sua vida. Sabemos que a decisão de procriar é abrangente, pois modifica todos os aspectos do dia-a dia das famílias e requer muita dedicação. Produzir um outro ser humano íntegro, completo, saudável e capaz de ser feliz é uma tarefa exaustiva e não devia ser delegada a terceiros. Isso é um projeto de vida tão imenso, que se dar conta disso pode gerar a dúvida sobre querer ser mãe.

Construindo uma pessoa

Parentalidade
de mãos dadas com o futuro

“Criar e educar uma criança é uma das tarefas mais difíceis na vida, ora estressante e ora recompensador.

Uma boa dica para ter uma leve noção do que isso representa, cuide de um ou mais animais de estimação, se você não tiver paciência ou achar muito trabalhosa essa missão – que é bem menos complexo do que cuidar de uma criança – não tenha filhos! Fará um bem a você e a humanidade 😌😁 Por que digo isso?

  Criar filhos não se resume em alimentá-los, colocar na escola, dar presentes e viajar nas férias, é muito mais que isso!

… Pelo bem da sua saúde física/mental e do futuro da humanidade, reflita muito sobre isso, pois é um caminho sem volta.”diz a psicóloga Daniele Lopes da Silva

Ana Paula Coli em “Sobre a Maternidade”diz: ”Ter filhos não é uma decisão simples, como comprar algo: “se eu enjoar eu troco!”, pelo contrário é para a vida toda, é para 1, 5, 20, 50, 70 anos. Não é para bonito, para dizer que tem, porque é fofo, porque todas as suas amigas já são mães ou porque a idade está chegando e a família cobrando.”

Esta discussão traz ainda em sua essência o direito a não querer ter filhos.

Estudos europeus mostram que até 25% das  mulheres nascidas na década de 70 não terão filhos.

As estatísticas mundiais de mulheres sem filhos vêm crescendo em proporção: nos Estados Unidos: 18% das mulheres chegam a 5a. década sem prole , na França: 20%, e na Alemanha 33,6%

Filhos da Esperança

O filme “Filhos da Esperança” mostra um mundo onde as mulheres deixaram de ter a capacidade de engravidar. Nesta ficção a perspectiva é triste, pois as pessoas, sem a posteridade, vislumbram o fim da humanidade e assim,  questionam o sentido de tudo: poetas não escrevem mais, artistas não pintam mais… para quê, se tudo vai acabar”. Nesse prisma, os filhos são eternidade, são legado, são uma chance de ser melhor…

 

Apesar dessa escolha estar sendo mais e mais frequente no mundo todo, as mulheres que optaram por não procriar ainda enfrentam muitas formas diferentes de assédio social.

A autora  norte-americana Lionel Shriver disse numa entrevista: “Durante meus anos férteis, tive todo o tempo do mundo para ter filhos. Tive duas relações estáveis, uma delas levou a um casamento que continua até hoje. Minha saúde era perfeita. Poderia ter me permitido isso do ponto de vista econômico. Simplesmente, nunca quis….”

 

Shaila Heti
ElPaís – Entrevista de Sheila Heti
Maternidade: um Romance
Maternidade: um Romance

Em seu livro Maternidade, um romance, a escritora Sheila Heti dá voz a este movimento feminino e demonstra as dificuldades que as mulheres enfrentam ainda quando saem do padrão pré-estabelecido.

 

trecho do livro: Maternidade

 

igualdade

“É impossível separar a capacidade de uma mulher para decidir sua vida por si mesma de toda a história do feminismo, que tem tentado dar às mulheres esse direito, essa permissão que os homens sempre tiveram….”

Nosso projeto ambicioso é desejar que todos sejam libertos para exercer sua responsabilidade de forma consciente e cidadã de um mundo em constante evolução. Escolher sua profissão, seu estado civil, sua maneira de dar afeto, seu lugar no mundo, precisa ser uma prerrogativa obrigatória das pessoas todas. Ainda precisamos lutar para isso, ainda precisamos nos indignar.

 

Cada pequeno capítulo conquistado é para ser comemorado, cada retrocesso precisa ser revisado.

in your shoes

Estamos aqui todos juntos neste planeta, como indivíduos mas também como coletivo. O mal feito a um é feito a todos, e enquanto isso não for óbvio, muito perdemos em evolução.

Todos os dias devemos ser vigilantes em nossas palavras e atos, questionando sempre a ética de nossas intervenções com os outros e conosco mesmos até.

Não é fácil ser ético. Não é fácil praticar a verdadeira igualdade, sem preconceitos e pré-juízos.

Seria muito bom se cada um pudesse compreender que não temos como conhecer plenamente a experiência de vida do outro para julgá-lo. Então, não julguemos, pois. Viva e deixe viver é um bom lema, pois nosso espaço termina onde começa o espaço do outro.

 

 

liberté, fraternité, equalité

Manual de Direitos Sexuais e Reprodutivos:

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/direitos_sexuais_reprodutivos_metodos_anticoncepcionais.pdf

 

 https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/26/estilo/1456511190_318200.html#?rel=mas

 https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/26/internacional/1556264752_630548.html

 http://www.senado.gov.br/noticias/jornal/cidadania/planejfamiliar

MATERNIDADE: NOVAS POSSIBILIDADES, ANTIGAS VISÕES-Patrícia Zulato Barbosa* Maria Lúcia Rocha-Coutinho** PSIC,2007

https://www.scielo.br/j/pc/a/X3dyWtRFFFfy8wnyZMgzgYd/?lang=pt&format=pdf

https://blog.psicologiaviva.com.br/ter-ou-nao-ter-filho-eis-a-questao/

https://www.sobrematernidade.com.br/ter-ou-nao-ter-filhos-2/

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822018000200003