Acolhimento

“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.”
Sartre, JP

Violência passa por nós e não sai de jeito nenhum.. Aí, vira e mexe ocorre algo em algum lugar e tudo volta novamente…

Foi durante o primeiro ano da residência em Oftalmologia, um dos meus primeiros plantões no Pronto Socorro. Um menino… 4 ou 5 anos com um hematoma palpebral esquerdo. A história? A mesma: caiu e bateu o olho na queda. Ao exame oftalmológico, uma super uveíte traumática, ainda bem sem sangramentos e a retina ok.

Mas um trauma destes… queda da própria altura? Já havia visto semelhante em briga de adultos: soco no olho. Mas em criança? A mãe o trouxe, sozinha. Achei esquisito, mas acreditei nas palavras da mãe: por que desconfiaria?

Chamei o oftalmologista assistente, meu supervisor. Demos a orientação, chamamos o pediatra de plantão: hematomas espalhados pelo corpo…

E aí foi: conversa sincera com a mãe, assistente social, conselho tutelar…

É muito complicado quando nos deparamos com uma situação em que nos sentimos intrusos do lar alheio. E é bem difícil acreditar que uma criança não tenha o que lhe é por direito: “à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

Mas tem… e como tem!

E é de nossa responsabilidade. E de nosso dever. Não deixa de ser também uma violência…

Escrito por

Cassia Suzuki

Médica oftalmologista, quase filósofa, mãe de 2 filhas e 2 cachorrinhas