Os ouvidos são apenas a porta de entrada do som. Talvez você possa estar pensando que no silêncio apenas estaríamos privados de ouvir sons, palavras, música. Mas como isso pode interferir em nossas vidas? 

A audição é o nosso sentido ligado que fica ligado 24 horas por dia,  primordialmente em nossa defesa. Um som alto pode nos fazer acordar e assim nos defendemos, mesmo dormindo. 

Mas ouvir não é só isso. Na verdade não ouvimos apenas com as orelhas. 

Ouvimos já no ventre materno:

O bebê já é capaz de ouvir mesmo de dentro do ventre materno por volta 20o semana de gestação. Sabemos que quando uma gestante se expõe a um som alto, o bebê se mexe. Não se trata apenas de reagir a sons. É  ai, dentro do útero que se inicia a memória auditiva. 

Os sons internos da mãe tornam-se familiares ao bebê. Estima-se que até mesmo a voz materna entra para a memória da criança, seu timbre, o ritmo da sua fala. E assim, o bebê acalma-se ao ouvir a mãe, e ninguém mais. Aquieta-se quando esta o acalenta ao peito e ele ouve seu coração. 

Após o nascimento,  dia a dia a criança ouve novos sons. Mesmo deitada em seu berço aprende que os sons têm significado. Sabe se tem gente em casa, quem são as pessoas, começa a reconhecer vozes, músicas e costumes da casa. Reage com felicidade, prazer, medo. 

Começa perceber que os simples sons que balbucia instigam respostas dos outros que a “respondem”.  Assim é o início de uma conversa e os pais devem sempre estimular, as interlocuções. 

Ouvimos com o cérebro!

Os sons só têm significado quando os estímulos percebidos pelo ouvido chegam ao cérebro. Não apenas a memória auditiva, mas infintas conexões do córtex cerebral! Os sons podem gerar emoções agradáveis (a música que lembra o primeiro beijo), ameaçadoras (barulho de um trem ou fogos de artificio), desagradáveis (uma britadeira) e tantas outras. É no cérebro que os rápidos sons de cada fonema da nossa fala transformam-se em palavras. Cada um destes estímulos, verbais ou não estimulam  nossa memória,  imagens, cheiros, temporalidade, etc.  Organiza-se assim o pensamento e o raciocínio. 

A criança que não ouve

Uma criança privada da audição perde significativa parte do  contato com o meio externo. Dependendo apenas da visão e tato Não aprende a representação dos sons, tanto de acalanto quanto de perigo e não tem como  formar as conexões cerebrais.  Reabilitar uma criança e dentro do possível trazer de volta sua audição implica em promover o seu desenvolvimento como um todo, estimular todo o processo cognitivo.  O diagnóstico e a reabilitação da criança devem ser o mais rápidos.

A perda auditiva na idade adulta 

E quem já sabe falar? Já criou sua rede neural de memória, cognição, emoção, etc. 

A perda auditiva na idade adulta é insidiosa e demora, por exemplo, para um idoso perceber que não ouve. As pessoas ao seu redor percebem antes, que este entende errado ou não ouve a piada, ou pede que as crianças repitam o que falaram e  ainda pouco a pouco aumenta-se o volume da TV ou do celular. A perda auditiva contribui paulatinamente para que as conexões cerebrais se desliguem. 

E aí não é apenas porque não ouvem os sons e sim porque ao longo do tempo perderam a capacidade de interpretá-los. Como se diz em inglês: “Use it or Lose it”, para nós aqui algo como “o que não se usa, atrofia”!

Perda auditiva e o Alzheimer

Sabemos hoje em dia o quanto a audição está ligada à memória e manutenção da capacidade auditiva. Ouvir mal está diretamente ligado  ao declínio das funções cognitvas e portanto à demência e ao Alzeimer. Assim, reabilitar a perda auditiva o mais cedo possível é mandatório.  

Prevenção e tratamento da surdez

E claro, prevenir! A maioria das perdas auditivas do tipo sensório-neural são irreversíveis.  Prevenir é o melhor caminho. Mantenha sempre um estilo de vida saudável, atividade física, boa alimentação. Evite a exposição a sons intensos, não apenas dos fones de ouvido, mas também de sons no ambiente.  Depois que este tipo de perda auditiva já se instalou, só resta o uso do aparelho auditivo.

E por que tantas pessoas, principalmente os idosos que conhecemos dizem que o aparelho não adiantou nada? 

Em geral, há uma demora de cerca de 10 anos a partir do início da perda auditiva à aceitação do aparelho. O aparelho melhora a audição, mas nesta altura, as conexões cerebrais já se perderam. Afinal não ouvimos apenas com o ouvido, e sim com o cérebro! 

Escrito por

Renata Di Francesco

Graduada em Medicina em 1993 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e especializada em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da FMUSP. Doutorado em 2001 e o título de Professora Livre-Docente foi obtido em 2010.
No dia a dia dedica, no consultório privado o cuidado com pacientes e familiares.
Ainda no Hospital das Clínicas da FMUSP, hoje, coordena o Estágio em Otorrinolaringologia Pediátrica.
Outros desafios:
Diretora da Educação Médica Continuada da ABORLCCF (2012-2014)
Presidente da Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica (2015-2016)
Diretora Secretária da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia (2015),
Diretora do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo-SPSP (2016-2019)
Coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento e Aprendizagem da SPSP (desde 2019)
Diretora do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade Brasileira de Pediatria -SBP (desde 2019).