menina medica

Carta ao Estudante de Medicina

Querido Estudante,

A palavra estudante vem do latim studiosus, que significa pessoa dedicada, que ama aprender. Ser médico será assim, sempre se está aprendendo. Mas não me refiro ao óbvio, como fisiologia, patologia, anatomia… etc, mas a aprender a ser mais humano, a ser gente. Me refiro a entender as dores, a entender os choros, os risos, ao significado das mãos dadas.

Tenho filhas em idade de escolherem suas próprias profissões, seus caminhos, e conversando com elas, fiz também uma reflexão sobre as minhas escolhas feitas há mais de 30 anos…

Para pôr essas palavras aqui precisei de papel e lápis, não usei o laptop. Porque uma carta é algo pessoal e requer a fluidez da letra corrida, veja você, querido estudante, como o tempo passou. E passará. Sempre.

Que conselho eu poderia dar a você que está começando? Talvez nenhum…

Não sei o porquê escolhi entre todas as profissões do mundo a Medicina. Estou convencida que todas as escolhas são emocionais, afetivas, por mais que encontremos argumentos racionais para justificá-las. As escolhas vêm do coração. São águas que correm em um rio pelo caminho mais fácil, mesmo que cheio de pedras, ou de regaços mansos. Não há como fazer as águas por outro caminho que não aquele natural.

Sempre tive medo de abrir um corpo, de olhar os órgãos pulsantes e vermelhos, vivos. Mas foi mais assustador ainda ver logo no primeiro ano de Medicina as aulas de anatomia, nos cadáveres. Essas aulas hoje em dia são digitais? Tenho um pouco de ceticismo desse ensino asséptico. Mas passado o susto inicial, me fascinei pela arquitetura da vida humana. Como pode tudo isso acontecer? Qual o segredo?

Fato é que aos 18 anos, uma menina, eu estava sentada na sala de aula da faculdade de Medicina da USP. Me senti num quadro de museu dentro da arquibancada de madeira escura, olhando à frente para a lousa e a mesa de mármore branco com pequenas canaletas esculpidas. Minha imaginação preencheu imediatamente o cenário…

Entrei na faculdade uma menina, saí diferente.

A Medicina me deu tudo que entendo como EU hoje em dia. Me deu uma profissão, me deu experiência com as pessoas, me deu paixão, um estilo de vida, com muitas e muitas horas de trabalho, construiu em mim um modo de ser, de entender, de me comover, uma nova escala de valores pessoais. A medicina me deu os meus amigos, amores. A medicina me deu exemplo, pessoas para admirar: professores, colegas, parceiros do plantão, e muitas vezes o próprio paciente.

Tantos anos depois, posso dizer que a Medicina me esculpiu. No meu melhor e no meu pior.

O que te dá tanto, também te toma muito, principalmente em tempo, juventude, tomou minhas certezas, e construiu outras.

Aprendi que leva muito, mas muito tempo mesmo para ser um bom médico, não para saber, mas para SER.