Fibromialgia

Por Dra. Maria Angela do Amaral Gurgel Vianna

Esta é a típica frase inicial da consulta.

 

Há quanto tempo você tem esse sintoma? E essa dor, onde dói exatamente?

 

A resposta do paciente é, invariavelmente, a descrição de um sofrimento que perdura (1) no mínimo há 3 meses, (2) por sono não reparador e (3) por uma dor generalizada, sem lugar fixo, que muda de lugar, e que pode piorar ao toque. Seguem-se queixas vagas de formigamento, queimação e outros sintomas aparentemente não relacionados à dor. Inúmeros exames normais e uma lista de tratamentos sem sucesso completam a frustração.

Até pouco tempo atrás, o paciente habitualmente percorria uma lista interminável de médicos generalistas e especialistas até que pudesse ser diagnosticado com fibromialgia. Este cenário , porém, está mudando. A educação científica da equipe de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, educadores físicos, entre outros) têm conseguido que o diagnóstico não tarde e a abordagem de tratamento melhorou muito na última década. Mas a educação do paciente sobre este quadro é de fundamental importância, já que ele deverá ter um papel ativo para o sucesso do tratamento.

Então, o que é fibromialgia?

Fibromialgia é uma doença reumatológica, uma síndrome dolorosa de causa desconhecida, caracterizada por dor há mais de 3 meses. Nenhum exame de sangue ou de imagem vai revelar a fibromialgia – que deverá ser diagnosticada por exame clínico – mas eles são importantes para descartar doenças com sintomas semelhantes, como hipotireoidismo, artrite reumatóide, doença inflamatória intestinal, lúpus, polimialgia reumática, infecções e tantas outras.

Calma, você não está sozinho. Lady Gaga, Dani Valente, Morgan Freeman, Sinead O’Connor  e 8% da população americana estão com você.

Fibromialgia é a síndrome dolorosa mais comum que conhecemos, presente em 2% dos indivíduos abaixo dos 20 anos de idade e em até 8% da população de 70 anos de idade. Mais comum em mulheres entre os 35 e 50 anos, é uma importante causa de sofrimento e limitação para as atividades do dia a dia.

Quais os sintomas da fibromialgia?

Fibromialgia é uma síndrome, ou seja, uma patologia caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas. Os mais comuns são:

  • dor difusa em partes moles e generalizada
  • sono não reparador
  • sensação de estar sempre gripado
  • alteração cognitiva leve, como dificuldade de concentração, pequenos esquecimentos e desatenção (“brain fog”)
  • dor de cabeça recorrente
  • depressão ou ansiedade
  • sintomas intestinais, como flatulência, intestino preso ou solto
  • dor na região de bexiga, urgência urinária ou necessidade de urinar com muita frequência
  • dificuldade ou dor ao ter relação sexual
  • problemas na articulação têmporo-mandibular (ATM)

 

 

Qual a causa da fibromialgia?

Infelizmente, ainda não sabemos. Por ora, sabemos que traumas físicos ou psicológicos podem agravá-la ou desencadear a doença, assim como algumas infecções virais e o estresse. Também sabemos que um paciente que tem um familiar fibromiálgico tem mais chance de desenvolver o quadro.

A fibromialgia não descarta outros diagnósticos. Pacientes com doenças que causam dor crônica ou fadiga, como artrites, artrose ou lúpus, dentre tantas outras patologias, podem ter fibromialgia em antecipação à doença ou no decorrer do tratamento da primeira doença.

Finalmente, a fibromialgia tem tratamento?

Sim, a fibromialgia pode ser tratada e trazer grandes melhoras. Assim como toda a doença crônica, ela é uma condição controlável. Ou seja, a fibromialgia não desaparecerá de vez para nunca mais voltar. Aliás, raras são as doenças que nunca mais vão voltar, não é mesmo?

O fato é que não precisamos padecer da patologia; desde que tomemos o tratamento como meta, é possível atingir bem-estar longevo.

O tratamento, como já foi dito, é uma parceria entre médico e paciente, onde ambos atuam. Para tratar a fibromialgia trabalhamos com o tripé: medicamento, atividade física e psicoterapia.

Há a parte medicamentosa, com relaxantes musculares, analgésicos, antidepressivos em dose baixa e alguns anticonvulsivantes. Essa medicação é ministrada isoladamente ou associada, e prescrita em doses individualizadas que flutuam no decorrer da vida. Os estudos científicos ainda não demonstraram evidência do benefício do canabidiol, por isso esta ainda não é uma droga  consensualmente indicada. No entanto, há relatos de pacientes que se beneficiaram do canabidiol quando associado a outras medicações.

A parte do paciente é o exercício físico. A atividade física é tão importante quanto a medicação e é responsável por 50% do tratamento, ou mais! Inicialmente, a atividade física parece impossível. “Como vou fazer exercício se tenho tanta dor?”.  É aí que está o passo mais importante. É um grande engano o paciente pensar que primeiro há que ficar sem dor para depois se exercitar. Uma coisa depende da outra. Comece aos poucos, 15 minutos por dia, que logo o benefício será notado.

Que exercício fazer? Atividade aeróbica, fortalecimento muscular, tai-chi-chuan e yoga têm-se mostrado eficientes. Combinar 2 destas atividades, por pelo menos 30 minutos, pelo menos 5 vezes por semana, mostrou-se extremamente útil no tratamento da fibromialgia.

A psicoterapia cognitivo-comportamental também tem sua relevância e completa o tripé do tratamento. Saber identificar os fatores de piora e melhora, conhecer seu limite para descanso e atividade, ajudam muito no sucesso do tratamento. Ficar deitado o dia todo não vai melhorar. Exagerar no exercício, também não.

 

E quanto à dieta?

Também não há consenso e nenhuma dieta se mostrou superior à outra. Mas a diretriz na escolha de alimentos pouco fermentativos (que melhoram o desconforto abdominal) e controle na ingestão de cafeína (que piora a irritabilidade intestinal e atrapalha a qualidade do sono) são diretrizes com benefícios relevantes.

Então, mãos à obra. O entendimento da doença, associado a uma boa equipe de saúde e medicação, ajudam sobremaneira a lidar com a fibromialgia.

 

 

Referencia Bibliográfica

Clauw DJ. Fibromyalgia: A clinical review. JAMA 2014; 311:1547.

Ting TV, Barnett K, Lynch-Jordan A, et al. 2010 American College of Rheumatology Adult Fibromyalgia Criteria for Use in an Adolescent Female Population with Juvenile Fibromyalgia. J Pediatr 2016; 169:181.

Goldenberg DL. Diagnosing Fibromyalgia as a Disease, an Illness, a State, or a Trait? Arthritis Care Res (Hoboken) 2019; 71:334.

 

Sobre a autora:

Dra. Maria Angela do Amaral Gurgel Vianna

Formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Residência em Reumatologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Doutora em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da USP

Escrito por

Renata Di Francesco

Graduada em Medicina em 1993 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e especializada em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da FMUSP. Doutorado em 2001 e o título de Professora Livre-Docente foi obtido em 2010.
No dia a dia dedica, no consultório privado o cuidado com pacientes e familiares.
Ainda no Hospital das Clínicas da FMUSP, hoje, coordena o Estágio em Otorrinolaringologia Pediátrica.
Outros desafios:
Diretora da Educação Médica Continuada da ABORLCCF (2012-2014)
Presidente da Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica (2015-2016)
Diretora Secretária da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia (2015),
Diretora do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo-SPSP (2016-2019)
Coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento e Aprendizagem da SPSP (desde 2019)
Diretora do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade Brasileira de Pediatria -SBP (desde 2019).