“Perigosos são os prazeres que, de forma inconsequente, podem traçar um destino funesto aos incautos.”
As infecções sexualmente transmissíveis sempre foram motivo de atenção aos educadores em saúde coletiva. Algumas das epidemias mais letais da história da humanidade tiveram sua causa em IST’s.
Hoje começamos uma série sobre essas doenças que fizeram e fazem parte da história da Humanidade.
As 7 grandes IST’s são:
-
- Sífilis
- HPV
- Gonorréia
- Clamídia
- Herpes
- Trichomonas
- HIV
Sífilis
Doença de mais de uma dezena de nomes, a Sifilis tem múltiplas denominações a depender da época e região onde seu surto esteja predominante:
Lues: que significa “praga”
Venéreo: vindo de Vênus, doença do amor
Mal-de-coito
Pudendarga
Cancro-duro
Doença-do-mundo
Os relatos históricos nos mostram que a doença já pode ter sido conhecida e descrita desde de Hipócrates, 500 anos antes da era Cristã.
Há descrições arqueológicas de pessoas “mumificadas” em Pompéia que apresentavam estigmas seqüelares da Sifilis já naqueles tempos.
Foi no Século XVI apenas que um ressurgimento da doença na Europa levou a milhares de mortes, principalmente entre soldados e trabalhadoras do sexo.
Sabemos que, quando não tratada, a Lues podia atingir mais de 50% de mortalidade dos infectados, principalmente entre os homens.
A Sífilis fez muitas vítimas ilustres ao longo da história:
- James Joyce (1882-1941) † _ escritor
- Oscar Wilde (1854-1900) † _ dramaturgo
- Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), † _ pintor
- Paul Gauguin (1848-1903), † _ pintor
- Guy de Maupassant (1850-1893), † _escritor
- Al Capone (1899-1947), † _ gângster
- Charles Baudelaire (1821-1867), † _ poeta
Com sintomas menos proeminentes, pode até passar despercebida em sua primeira manifestação. Isto pode ser um dos maiores motivos pelos quais a doença se dissemina muito facilmente, dado que o portador não sente dor no local da lesão infectante, dando ao portador a falsa sensação de não ser nada grave.
Dessa forma, precisamos voltar a lutar contra a Lues e suas consequências terríveis para a saúde das pessoas, com iniciativas em várias frentes para conseguir erradicar a doença novamente.
A Liga Acadêmica de combate a Sífilis
Nossa Faculdade de Medicina sempre protagonizou a luta contra a doença desde a assistência regular em seu Hospital de Clínicas, como através da criação da Liga de Combate a Sífilis (LCS), em Agosto de 1920. Seu propósito era oferecer tratamento gratuito aos pacientes de Sífilis e outras IST’s, através de voluntariado dos alunos da Medicina USP em seus horários livres.
A Liga comemorou seu centenário de existência em 2020.
A LCS prestou assistência a milhares de pacientes desde então, fazendo diagnósticos e promovendo tratamentos aos pacientes de forma gratuita e sem discriminação.
Seu primeiro propósito foi dar enfrentamento ao surto da infecção da época.
A Liga Acadêmica veio fazer parte do esforço de São Paulo na erradicação da doença, mesmo em tempos de crises internacionais e guerras, e desde então fizemos nossa parte nesse trabalho de saúde pública.
Uma doença em 3 estágios
Causada por uma bactéria espiroqueta chamada preponema pallidum, é uma doença tratável e curável até mesmo com antibióticos de primeira geração. Todavia a bactéria causadora da sífilis só foi descoberta efetivamente em 1905.
Primária
Em sua manifestação inicial a infecção pelo Treponema Pallidum mostra sintomas clínicos de 2 semanas até 3 meses depois do contato contaminante, que normalmente é um contato sexual desprotegido.
Em consequência da primeira infecção, acontece o primeiro sintoma mais comum que é uma ferida no local do contato, também chamado de cancro-duro.
O Cancro-duro é uma lesão ulcerada de bordos elevados, fundo limpo e indolor. Pode ser acompanhada de ínguas que, da mesma forma que a lesão ulcerada, são indolores. Esta é a chamada sífilis primária.
Tal lesão dura até 1 mês e desaparece espontaneamente sem deixar marcas mesmo sem que a pessoa tenha feito qualquer tratamento.
A partir de então, a doença evolui.
Secundária
Assim, em 1 a 2 meses acontece o surgimento de erupções cutâneas por todo o corpo, inclusive palmas das mãos e plantas dos pés, sem febre, que são auto-limitadas igualmente.
Nesta forma as pápulas cutâneas não são dolorosas mas são extremamente infecciosas, já que são ricas em bactérias (treponemas) e podem infectar qualquer outra pessoa que tiver contato direto com o paciente.
Pode haver mal-estar, febre, ínguas pelo corpo e dor de cabeça durante esta fase do adoecimento.
E mais uma vez também as manifestações secundárias da sífilis também desaparecem a despeito de ter sido feito tratamento ou não, trazendo uma falsa sensação de cura.
Latência
Dando seguimento a história natural da Sífilis, se não tratada pode permanecer em estado de doença ‘dormente’ por períodos extremamente prolongados. Há relatos na literatura médica de tempo de latência de até 40 anos, depois do quê, pode vir a doença em sua manifestação mais grave e potencialmente fatal
Sífilis Terciária
Verificamos que a cronologia temporal não ajuda a elaborar uma suspeita clínica quando os sintomas da sífilis terciária acontecem. São sintomas variados , desde um novo surto de lesões cutâneas a é manifestações cardiovasculares, articulares, ósseas e neurológicas.
Como são sintomas desconectados temporalmente das primeiras manifestações_mais características_ os pacientes de sífilis terciária podem vir a sofrer por muito tempo até que a hipótese diagnóstica correta seja elaborada.
Tendo em vista que em torno de 30% das pessoas acometidas por sífilis não tratada corretamente vão desenvolver as manifestações mais graves da doença terciária.
Sobre o acometimento neurológico, sabemos que no passado muitas das pessoas que sofriam de sífilis eram internadas em manicômios como loucos, pois passam a apresentar deterioração progressiva de comportamento, deficiências de memória e concentração, insônia ou letargia, instabilidade emocional, delírios, tremores, paralisias, alteração nos reflexos, distúrbios do equilíbrio e mais.
Lesões destrutivas nos ossos podem causar fraturas e deformações no esqueleto.
Aneurisma sifilítico e destruição das válvulas cardíacas levando a insuficiência são manifestações do acometimento cardiovascular.
Congênita
A Sífilis também tem uma parcela importante de sua transmissão através da placenta, de mãe para filho, durante a gestação de mulheres infectadas e não tratadas. Isto é o que chamamos de transmissão vertical.
Por esse motivo os exames para detecção de infecção pelo treponema fazem parte importante dos protocolos de Pré-Natal em todo o Brasil.
O tratamento mais precoce possível pode ajudar a evitar as seqüelas definitivas para o bebê, a depender da fase da gestação em que a infecção acontece.
Tendo em vista que crianças acometidas podem não apresentar nenhum sintoma por meses ou até anos, a suspeita clínica e o diagnóstico durante a gestação. Dessa forma podem evitar complicações como abortamento, surdez, cegueira, deformidades, alterações intelectuais e até nascido morto.
Diagnóstico
Nos casos onde existe lesão, o raspado da úlcera pode ser submetido a exame microscópico direto e as bactérias espiroquetas características podem ser vistas e detectadas..
Depois disso, o exame mais precoce da dar positivo é o FTA-ABS, que pode detectar a doença a partir de 2 semanas do contágio. A seguir o exame de VDRL demonstrará que a pessoa já teve contato com a bactéria,De forma semelhante, ambos os exames buscam anticorpos que o organismo produziu pelo contato com o treponema, sendo que o VDRL é mais sensível, só menos específico, com taxas de falso-positivo que levam a necessidade de exames confirmatórios como o FTA-abs, que é um teste específico para o treponema.
Existem também testes rápidos que podem servir para o rastreamento populacional e são usados rotineiramente no SUS.
Finalmente, a neuro-sífilis é pode ser diagnosticada principalmente por punção de líquor, para análise do liquido cefalorraquidiano a fim de identificar que as bactérias ultrapassaram a barreiras do cérebro e poderam levar a meningites e encefalites sifilíticas.
Tratamento
Antes da era dos antibióticos, a Sífilis já assolava a humanidade e os médicos tentavam múltiplas formas de tratar os pacientes com a Doença-do-Mundo. Relatos do primeiro milênio da história registravam o Mercúrio como tratamento da ‘venéra’. O metal era usado sob várias formas, desde gás quente de mercúrio, até injetado ou friccionado na pele do paciente, o que indiscutivelmente causava mais mal do que bem, como hoje sabemos.
Da mesma maneira, na idade média usou-se o Guaiacum officinale, também chamada de ‘árvore da vida’ ou ‘pau-santo’, que é uma planta zigofilácea encontrada na America do Sul, conhecida para tratar alguns tipos de infecções.
Inegavelmente, os resultados dessas terapias eram ruins e os pacientes progrediam e pioravam mesmo assim.
Apenas com a descoberta e uso regular das penicilinas é que a doença pôde ser tratada e curada finalmente.
Antibióticos salvando vidas
Após o surgimento destes milagres tecnológicos (os antibióticos!) no Século XX, o tratamento das doenças venéreas passou a ser possível e acessível a todas as pessoas, reduzindo assim os perigos dos prazeres sexuais descuidados.Tudo parecia bem, até que uma combinação de fatores que incluíram fenômenos de resistência bacteriana o advento da AIDS no final do século XX levaram a um segundo “renascimento” da Sífilis na população.
Atualmente, em consequência desse recrudescimento da doença, existe a necessidade premente de que tenhamos ações de esclarecimento da população a respeito dos riscos envolvidos em praticar sexo sem proteção, assim como da importância de se proteger e proteger seus parceiros.
Respeito e auto cuidados são a chave do sexo seguro. Se cuide!
http://g1.globo.com/bemestar/blog/doutora-ana-responde/post/fique-atento-quais-os-sintomas-da-sifilis.html
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/17934/000725339.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sifilis_estrategia_diagnostico_brasil.pdf