esperança

“Dra. Cássia, a Paula, acompanhante do Sr. R.P. disse que se atrasaram um pouquinho pq desencontraram com o irmão dele, H.P.”

Gostei da consideração: nem sempre os pacientes têm esse cuidado de nos avisar por algum imprevisto. E ainda chegaram na hora. O Sr. R.P. 78 anos, de cadeira de rodas, pouco se comunicava, cabecinha baixa… E a Paula, cuidadora da casa de repouso em que ele estava, um carinho acolhedor, pensei que fosse filha! Disse que ele estava ainda mais quietinho do que o habitual, talvez fosse a visão – ele pouco reclamava.

Ao examinar, um descolamento de retina no olho direito. Aquele, em especial, era facinho de tratar. Mas teríamos que fazer com urgência, e eu precisava da colaboração dele: teria que ficar deitado de lado por pelo menos 2 semanas.

“Perfeito! É justo o lado em que ele mais gosta de ficar! Vai dar certo!”

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O Sr. R.P. elevou a cabeça, olhou-me de uma maneira em que logo percebi que enfim ele estava lá! Com o tempo a gente percebe quando quem está a nossa frente se faz presente.

O irmão, H.P., 80 anos, lúcido, ereto, andar firme, entrou na sala neste momento, e cheios de esperança, expliquei o caso e a sorte pela possibilidade da cirurgia bem mais simples que a habitual!

“Mas.. será que vale a pena? Na idade dele, nas condições em que está… Preciso falar com os filhos dele para decidir melhor…”

Vejo o Sr. R.P… a Paula… e pergunto direto aos seus olhos : “O Sr. quer tentar?”

O olhar de certeza dele nunca mais saiu da minha cabeça! Aprendo muito a cada dia, a cada caso, como a esperança é preciosa!!!! E como somos privilegiados por presenciar momentos como este! Talvez seja nosso dever: tentar propiciar uma saída, ainda que o momento pareça inevitável.

Não vi mais o Sr. R.P. O telefonema de consideração foi da Paula, lamentando a negativa da família.

É… aprendemos também a respeitar quaisquer decisões: cada qual com seu entorno, seus valores, suas dores. Mas é muito, muito complicado apagar um olhar como aquele.

… de mim não sai mais! Valeu, Sr. R.P.!!!!

olhar de esperança

Escrito por

Cassia Suzuki

Médica oftalmologista, quase filósofa, mãe de 2 filhas e 2 cachorrinhas