Paz de espírito

Y.F., 85 anos

Uma das melhores coisas na prática médica é quando o paciente entra na nossa sala, entregue, e nos encontra da mesma maneira. Pena que nem todos os dias são bons, e nem sempre estamos assim…

Com o Sr. F sempre foi assim! E a boa experiência começa já quando localizo o seu nome na agenda.

 

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E chega com um sorriso no rosto, lépido, com uma folhinha de anotações:

“Dra, eu preciso enxergar muito bem a 1,20: é o momento mais delicado do golfe! E a 35cm: acabei de comprar muitos livros japoneses, pela Amazon.”

Sempre muito preciso nos cálculos, no pensamento, na lógica sempre bem fundamentada pelo conhecimento. Perdeu a esposa com Alzheimer há pouco tempo, mas reforça que ela foi muito bem cuidada por ele e pela equipe do hospital, localizado ao lado de sua casa – olha que “sorte”! Lembra-se de quando ela tinha 25 anos e largou tudo no Japão para, sozinha, encontrar-se com ele que já estava aqui:

“Neste dia eu tive a certeza de que cuidaria muito bem dela até o fim!”

Tiveram 3 filhos, a primogênita mora na California, outro filho em Tókio e o caçula aqui. A filha insistiu para que ele fosse morar com ela.

Voltou aos cálculos:

“Minha filha se preocupa muito comigo, mas a saúde é muito cara nos EUA. Hoje com 85 anos, tenho mais uns 5 pela frente. Com o real desvalorizado eu não teria lá o conforto que tenho aqui. Gosto da comida daqui, meu plano de saúde é excelente… Além disso, meus amigos do golfe também estão aqui.”

Poucos falam da finitude com tamanha paz. Ou melhor, poucos falam de toda a trajetória passada e presente com tamanha paz. Talvez este seja um dos segredos para mais dias bons que nos permitam tamanha entrega…

…sempre com um sorriso sincero no rosto.

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Escrito por

Cassia Suzuki

Médica oftalmologista, quase filósofa, mãe de 2 filhas e 2 cachorrinhas