sonhos

Era uma vez uma menina que queria ser cientista

Após ser alfabetizada, em casa, na mesa de fórmica verde da cozinha, por uma super mãe : obrigada dona Ligia,  que me via sofrer vendo as outras crianças indo para a escola e eu ainda não e não teve dúvidas: comprou a cartilha “Caminho Suave” e lá fomos nós pelos caminhos das letras.

cartilha caminho suavecaminho suave

Cheguei a primeira série e  a dona Mercedes (minha primeira professorinha) achou que eu era especial, pois já sabia tudo, e foi assim que eu me apaixonei pela escola,sendo querida por ela.escola primária

Na época  meu pai tinha uma banca de jornais, então tudo que as editoras lançavam em livros ele trazia pra casa. Então quando aprendi a ler resolvi que tinha que saber tudo que a Enciclopédia Abril  continha.

Depois, comecei a ler uma outra coleção chamada “O Corpo Humano” …e assim  surgiu um grande interesse pela biologia dos seres vivos.

Como amava o Professor Pardal, resolvi ser “Cientista”.Garota Ciientista

Aos poucos, entretanto,  entendi que neste país tal sonho estava um pouco distante para mim.

Mas a Alquimia ainda me fascina.

Assim, coloquei na cabeça que iria fazer uma Faculdade de Medicina, mas tinha que ser uma faculdade pública (porque “money nóis num have”).

Egressa de escolas públicas por toda a vida, no Colegial senti que teria dificuldades e desafios que minha escola: Estadual da Penha, não estava em condições de me suprir.

Foi então que no meio do segundo ano do que vocês hoje chamam de ensino médio eu consegui uma bolsa de estudos para cursar o Colégio Objetivo do Tatuapé.

Não dá pra expressar com palavras a gratidão que tenho para com eles, pela luz que colocou no meu caminho. Eu enfim teria uma chance!

Fiz tudo que estava a meu alcance para merecer a oportunidade, e vieram mais possibilidades: programação avançada na unidade da Paulista, simulados… Vamos em Frente!

leitora

No final do segundo ano, fiz vestibular para treinar (naquela época não havia inscrição de treineiro, prestei mesmo, na concorrência real), entrei em Enfermagem na USP e em Medicina na PUC… já fiquei com mais esperanças, As Grandes Esperanças (amo esse livro!)

Assistia o programa Vestibulando da TV Cultura todo os dias.

E veio o jogo pra valer.

Prestei todas as faculdades de medicina públicas que haviam na época: FUVEST abrangia USP, Santa Casa, Escola Paulista; prestei UNESP (Medicina Botucatu) e UNICAMP.

Um dia, estava em casa e uma amiga do colégio me ligou: __”Saiu a lista da FUVEST no cursinho!!!”

Lembremos que naquela época não tinha internet, a pessoa tinha que ir até algum local onde houvesse a lista impressa grudada na parede para verificar se seu nome estava lá.

O trajeto mais longo da minha vida! Cheguei lá no Objetivo e nessa hora você esquece até da ordem alfabética de tanto nervoso.

…e estava lá, meu nome…aprovada na Medicina da USP (flutuei pela primeira vez na minha história)…enfim minha Vida iria começar!

Faculdade de Medicina da USP

Minha familia morava em Arthur Alvim na época em que entramos na Faculdade, 1988.

Umas 2,5 horas de viagem até a Dr.Arnaldo( +1 hora de ônibus até o ICB). Trajetinho básico de 3,5 horas para ir e idem para voltar.

caloura Medicina USP

Todo dia saía de casa 04:20h, com céu estrelado, feliz em direção ao sonho de cada dia.

Meio deslocada, descobri aquele porão… escurinho com cheirinho de mofo, mas com jeito de casa.

Fui acolhida! Tinha atividades para todos os interesses: música, descanso, dança, pebolim, jornalismo, ciência, festa, política… Participar era natural como respirar.

O Bip era uma gostosa ferramenta de comunicação, um jornalzinho interno, muito divertido,  num tempo onde celular, email e facebook, instagram e whatsapp nem eram sonhados!

Obrigada Walter, por todos os desenhos, por cada caricatura!

Lembro que o DC tinha 01 computador, de mesa, precioso, trancado a sete chaves na salinha…Ninguém tinha permissão de usar aquela potente máquina do saber.

Centro Academico Oswaldo CruzEntão  CAOC deu seu salto em tecnologia quando compramos a primeira máquina de escrever eletrônica (gente!, ela tinha uma fitinha que corrigia quando você digitava errado!)

Viramos Diretoria: Michel e Marcelo Eidi tentando organizar as despesas, e eu tentando fazer despesas ( festas, sofás, sessões de cinema…afinal eu era do “Depto. Cultural”)

Quem nunca sentou no “linfonodo”: um sofá doado para o CAOC que depois mandamos cobrir com um tecido plastificado roxo ( ficou um horror mas era nosso!)

A Valdelis, nossa voz da consciência , representante na Congregação… só ela para conseguir colocar juízo nessa turma!
Todos fazíamos de tudo um pouco: a Eudóxia, a Cassinha, o honorável Auro, o super Nava, o saudososo Nelson,  o Rubão: “AVE  D.I.S.!

amigos

Fizemos rádio interna… Triplo X era o meu programa . Tínhamos inventado o podcast e nem percebemos. Que engraçado!

Recebemos de um jeito bem “maternal” as turmas de calourinhos com cara de assustados: 78, 79, …
CAOC-tur !

E também fizemos a nossa parte tomando posições.

Lutamos pelos direitos dos alunos do melhor jeito que a gente sabia. Tentamos fazer isso de forma isenta, limpa, pensando só no trabalho que precisava ser feito. Tenta pureza! Bons tempos!

Participamos do G4: momento da política estudantil da USP, onde os Centros Acadêmicos da FEA, da POLI, da São Francisco e da Medicina se uniram  para concorrer ao Conselho Universitário.

E ganhamos a maior eleição direta da USP!

Para comemorar, fizemos a Festa do Antígeno-Anticorpo, no vão livre da FAU, com mais de 5mil pessoas! Foi um sucesso!

Lutamos pelo comodato e conservação da área verde do Bosque da Atlética e do complexo esportivo, e vencemos naquela época (essa briga culminou com o tombamento da área pelo Condephaat em 12/12/2002)

AAAOC

Foram certamente anos maravilhosos de convivência diária com estes amigos tão queridos até hoje.

Essa Faculdade, essa turma, essa vivência, fez de mim que eu sou, me proporcionou esta carreira, estes amigos tão especiais, esta vida tão linda de poder curar os outros com as próprias mãos.

Conforme o tempo passa o passado se torna mais e mais brilhante, mas acredito que neste caso ele  foi brilhante mesmo e continua a iluminar nossos caminhos todos os dias!

Texto dedicado a todas estas pessoas maravilhosas que fizeram e fazem  parte dessa história.

Dra.Mracia