setembro verde doaçãode órgãos

Setembro Verde: vamos falar sobre a doação. De órgãos e de amor.

O coração sempre simbolizou a vida, os sentimentos, a alma, o amor. E quando ele não funciona mais?

A insuficiência cardíaca, ou a falência do coração em bombear o sangue para o corpo, passou por grandes avanços no seu diagnóstico, na sua monitorização e no seu tratamento nos últimos anos, com impactos positivos na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes. Porém, nas fases mais avançadas da doença, persistem as altas taxas de mortalidade e as consecutivas internações, com diminuição significativa da qualidade de vida e do prognóstico.

O transplante cardíaco é ainda o tratamento de escolha para a insuficiência cardíaca avançada e refratária. Ele traz para os pacientes a esperança real de viverem mais e melhor.

Um pouco de história sobre o transplante cardíaco

Em 03 de dezembro de 1967, o cirurgião sul-africano Christiaan Barnard, então com 44 anos, fez o primeiro transplante de coração humano no hospital Grote-Schuur, na Cidade do Cabo da Africa do Sul. Louis Waskansky, de 53 anos, foi o primeiro a receber o coração de uma jovem de 24 anos que havia morrido num acidente.

Mas Waskanky faleceu 18 dias após a cirurgia histórica. O óbito ocorreu em decorrência de uma infecção pulmonar complicada pelas medicações usadas para combater a rejeição ao órgão transplantado.

Um mês depois, Barnard fez o segundo transplante de coração. Desta vez, o paciente Philip Blaiberg viveu um ano e sete meses com o coração novo.

Apenas sete semanas depois do grande sucesso de Barnard, o cardiologista americano Shumway fez seu primeiro transplante de coração na Universidade de Stanford, na Califórnia. Este cardiologista e sua equipe, da qual Barnard fez parte, transplantavam coração em animais durante anos. Na ocasião, um colega perguntou a Shumway como se sentia e ele teria respondido: “Você se lembra do segundo homem que alcançou o Polo Norte?”

Em 1969, foi a vez de Dorothy Fischer receber um coração novo de Barnard e sua equipe. Ela sobreviveu 12 anos e 6 meses após o transplante. Em 1971, Dirk van Zyl foi operado e sobreviveu 23 anos com o coração transplantado.

Christiaan Barnard

Transplante cardíaco ou transplante de alma?

A notícia do transplante cardíaco propagou-se rapidamente, mas esbarrou em enormes obstáculos morais. Embora os transplantes de rins e córneas fossem frequentes naquela época, ainda permanecia a crença de que coração não se tratava de um órgão comum, mas o lugar dos sentimentos, da alma, da personalidade humana.

Ainda hoje existe a ideia de que o coração transplantado sentiria as emoções do doador. Se considerarmos o gigante ato de amor que a doação traduz, podemos dizer que sim!

“Eu quero depois, quando viver de novo, a ressurreição e a vida escamoteando o tempo dividido, eu quero o tempo inteiro.”

Adelia Prado

Transplante cardíaco no Brasil

Em 26 de maio de 1968, a equipe do cirurgião Euryclides de Jesus Zerbini realizou o primeiro transplante do coração no Brasil. A cirurgia foi realizada no Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. A equipe do professor Zerbini trocou o coração doente do boiadeiro João Ferreira da Cunha pelo órgão saudável de Luís Ferreira Barros, vítima de um acidente. Problemas de rejeição também levaram o paciente à morte 28 dias após a cirurgia.

Naquela época, o grande problema técnico era a rejeição, chegando a interromper os transplantes na década de 1970 em todo o mundo.

A partir da década de 1980, com o advento da ciclosporina, um potente imunossupressor, mais de 110 mil transplantes de coração foram realizados no mundo. No Brasil, desde então, foram realizados cerca de 5000 transplantes.

Em 1997, a lei 9434/1997 e o decreto 2268/1997 regulamentaram os transplantes no Brasil e criaram o Sistema Nacional de Transplantes (SNT).

A coordenação logística e a distribuição de órgãos e tecidos para transplantes são de responsabilidade da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO). Um dos objetivos de sua criação foi a desproporção entre o suprimento e a demanda de órgãos transplantados no país, que pode ser aliviada pela melhora da qualidade do manejo clínico dos potenciais doadores.

Soluções de preservação do órgão e o combate à rejeição

As substâncias descobertas para preservar o coração transplantado e evitar sua rejeição pelo corpo do receptor permitiram o avanço dos transplantes nos últimos anos.

No transporte, é fundamental deixar o coração em baixas temperaturas e com substâncias que reduzem sua atividade metabólica e que mantenham as condições físicas e bioquímicas do meio de preservação por um período de 4 a 6 horas. Entretanto, há algumas situações em que o tempo pode ser tolerado acima deste limite.

O maior conhecimento e utilização de medicamentos imunossupressores favorecem  maior sobrevida aos pacientes transplantados com diminuição dos episódios de rejeição e das infecções oportunistas.

No entanto, o uso contínuo de drogas imunossupressoras mais intensas aumenta a chance de câncer nos pacientes submetidos a transplante cardíaco se comparados aos transplantados renais. Em média, o diagnóstico de câncer ocorre de 3 a 5 anos após o transplante. Os mais comuns são: de pele, as linfoproliferativas (leucemias ou linfomas), de pulmão, do fígado, dos rins e do intestino. Curiosamente, alguns tipos de câncer como o de mama e o de próstata têm menor ocorrência entre os transplantados.

Corações artificiais

Os corações artificiais servem para manter o indivíduo vivo e em boas condições enquanto não aparece o órgão para o transplante. Também são implantados quando há contraindicação para o transplante. Existem modelos totalmente implantáveis que permitem a alta para casa e podem ficar com o paciente por semanas, meses ou até alguns anos, na espera pelo coração ou, quando houver contraindicação para o transplante, até o paciente morrer. Existem também modelos para uso apenas dentro do hospital, com objetivo de manter as funções vitais e os demais órgãos preservados, como os rins, os pulmões e o cérebro. Porém, não permitem a alta hospitalar.

Novo coração artificial responde às atividades do paciente | CNN Brasil

Desafios atuais

Atualmente, a baixa disponibilidade de órgãos, as dificuldades na logística de captação do órgão doado, as complicações relacionadas à imunossupressão, o aumento do número de pacientes em suporte circulatório mecânico e dos pacientes sensibilizados (por transfusões sanguíneas, dispositivos de assistência circulatória, transplante prévio ou gestação), permanecem como desafios.

Apesar de todos os avanços, atende-se menos do que 25% dos pacientes que precisam de transplante cardíaco.

Lembre-se: um único doador pode ajudar mais de 10 pessoas com a doação de órgãos, ossos e tecidos.

Seja um doador. Salve vidas! Sobretudo, converse e divida a sua opção e o desejo de doar órgãos com os seus familiares. Doar é um ato de amor.

 

Referências

1.  3ª Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco – SciELO – Brasil – 3ª Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco 3ª Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco

2. Advanced (Stage D) Heart Failure: A Statement From the Heart Failure Society of America Guidelines Committee – Journal of Cardiac Failure (onlinejcf.com)

3. The 2016 International Society for Heart Lung Transplantation listing criteria for heart transplantation: A 10-year update – The Journal of Heart and Lung Transplantation (jhltonline.org)